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Antonio Houaiss para Godofredo de Oliveira Neto: sua obra não nos deixa saudosos de Euclides da Cunha

 

O ano era 1997, e o então Acadêmico e filólogo Antonio Houaiss escreveu uma carta ao escritor Godofredo de Oliveira Neto, autor de O Bruxo do Contestado, romance escrito um ano antes, que narra, através de um personagem – um camponês pobre e atormentado que viveu no sul do Brasil durante o Estado Novo - a guerra do Contestado, um dos grandes levantes político-religiosos do país, entre 1912 e 1916, mas pouco divulgado.

Na carta, Houaiss diz que leu o livro “vagarosamente e demoradamente” e diz “não ter receio por isso de dar a sua obra a envergadura nacional, não nos deixando saudosos de Euclides da Cunha pela proposta ficcional audaz e válida.”

O teor completo da carta:

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1997 

Meu caríssimo Godofredo de Oliveira Neto, 

Acabo de ler seu "O Bruxo do Contestado”. Li-o vagarosamente e demoradamente – de afogadilho perderia muito do que pude apreciar, porque trabalhou-o bem, na estruturação, no fluxo temporal e na seleção verbal exemplar – pois seus regionalismos não são degenerescentes dialetais – e lamento não me ter munido de lápis para tê-los anotado.

O fato é que não li críticas sobre o romance, o que confirma a maré baixa nessa área. Entretanto, você mantém e suscita meu interesse permanente pela trama do “Contestado” no ambiente dos inícios deste século, em que muitos personagens riquíssimos que nos impõe e nos apaixona – Gerd, Rosa, Juta [ilegível] e tantas mulheres e homens, em seguida. A unidade que você logra, temática, estrutural, histórica, da trama e de personagens, é sustentada pelo vigor da linguagem, comedida mas rica. 

Não tenho receio por isso de dar a sua obra de envergadura nacional, não nos deixando saudosos de à Euclides da Cunha pela proposta ficcional audaz e válida. 

Imensamente grato por dar-me razão para admirá-lo tanto. Agora, vou mergulhar vagarosamente no “Pedaço de Santos”. 

Seu amigo certo, Antonio Houaiss”

O romance

Em O Bruxo do Contestado, Tecla, uma cativante narradora que testemunhou a Segunda Guerra Mundial no Brasil, o regime militar de 1964, e se emocionou com a Guerra do Contestado por meio dos depoimentos do atormentado Gerd Runnel – personagem que carrega, ele mesmo, uma guerra dentro de si - expõe ao leitor em estilo fluido e criativo estes três momentos cruciais da história brasileira. A crucial Guerra do Contestado e seus importantes desdobramentos, até hoje pouco difundidos, são descritos de maneira inédita e necessária. Calcula-se que 20 mil pessoas se envolveram diretamente na conflagração e, considerando-se o conjunto, houve cerca de 15 mil mortes no Contestado.

A metade do exército brasileiro foi deslocada para a região, toda a República se mobilizou, o STF chegou a analisar pedido de habeas corpus em favor dos revoltosos, Epitácio Pessoa e Rui Barbosa advogaram para as partes em conflito. A imprensa brasileira advertia para a possível reedição de Canudos. Acrescia-se ao fato as divergências de fronteira com a Argentina na fixação dos marcos dos limites territoriais e a disputa internacional entre as ideologias que iriam caracterizar o século XX. Godofredo mergulha o leitor nesses meandros políticos, além de descrever um vasto painel da imigração europeia no Brasil. O Bruxo do Contestado já foi matéria de estudo em várias instituições, escola do ensino médio e universidades.

A revista americana “The Dirty Goat” situa o autor entre os três mais importantes escritores da época (em entrevista de Silviano Santiago); o Journal of Brazilian Literature, da Brown University/PUC -RS e o Jornal de Letras de Lisboa destacam o romance no cenário da literatura brasileira contemporânea. (texto extraído do site da livraria Blulivro)

01/07/2024