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ABL na mídia - Jornal Opção - O Punho e a Renda

 

Edgard Telles Ribeiro, escritor e diplomata de refinada sensibilidade, ingressou recentemente na Academia Brasileira de Letras, consolidando uma trajetória literária marcada por um olhar agudo sobre o poder, a memória e os dilemas éticos da contemporaneidade. Dentre suas obras mais significativas, destaca-se O Punho e a Renda, romance que revisitamos em audiobook, que tensiona os bastidores da diplomacia brasileira com os fios sutis da consciência individual durante o período da ditadura militar.

A trama acompanha a trajetória de Max, um jovem diplomata em início de carreira, cuja ascensão meteórica no Itamaraty ocorre paralelamente ao agravamento da repressão política nos anos de chumbo. O que parece ser uma história de sucesso profissional vai, aos poucos, revelando um jogo complexo de manipulações, espionagem e conivência com o aparato militar. Max é cooptado para missões de vigilância e interferência ideológica, o que coloca em xeque sua integridade moral e sua identidade. O romance desenha com precisão o embate silencioso entre os valores éticos do protagonista e o pragmatismo institucional que o cerca.

O “punho” do título representa o braço autoritário do Estado, a rigidez das estruturas de poder, a frieza das decisões tomadas em gabinetes diplomáticos sem rosto. Já a “renda” simboliza a delicadeza dos sentimentos humanos, a complexidade das escolhas íntimas, a teia invisível das consequências. No fundo, trata-se de um livro sobre o dilema de agir ou calar, resistir ou colaborar, proteger-se ou expor-se — dilemas que atravessam a vida pública e privada de Max. Com isso, o romance não é apenas um retrato de uma época, mas uma reflexão atemporal sobre as zonas cinzentas da consciência e da responsabilidade.

Durante seu discurso de posse na ABL, Telles Ribeiro lançou um olhar crítico sobre os tempos atuais, afirmando o que ouse anotar à mão: “Os efeitos da inteligência artificial tiveram muito proveito em todos os sentidos, mas também poderão trazer prejuízos com relação à diversidade cultural dos povos”. Ao levantar esse ponto, o autor resgata uma inquietação filosófica fundamental: até que ponto os avanços tecnológicos, ao uniformizarem experiências e comportamentos, corroem a pluralidade que forma a alma de uma cultura?

Essa crítica ecoa o pensamento de filósofos referenciados no meu curso de jornalismo, que alertam para a “sociedade da transparência”, onde tudo se torna visível, controlável, padronizado — e, por isso, esvaziado de sentido. Também dialoga com um trecho que li por aí de Walter Benjamin, que via na repetição técnica a perda da “aura” da obra de arte, substituída por uma experiência serializada. No campo da inteligência artificial, essa lógica se intensifica, como constatei em pesquisa para uma palestra sobre IA no mês que vem: algoritmos filtram, direcionam, traduzem, simplificam. Mas o que acontece quando esse filtro também decide o que é cultura, o que é relevante, o que “vale a pena”?

Edgard Telles Ribeiro parece nos convocar, em seu discurso e em sua obra, a resistir à homogeneização. O Punho e a Renda é, nesse contexto, uma parábola sobre as contradições humanas e institucionais. É um livro sobre fronteiras — morais, políticas, emocionais — que não podem ser planificadas, sob pena de se perder o próprio humano.

No final, a mensagem do romance é sutil, mas poderosa: é preciso reconhecer que há rendas dentro de cada punho — e punhos, também, por trás de cada renda. O poder que sufoca pode estar entrelaçado com a delicadeza que salva. A cultura, assim como a consciência, não pode ser automatizada.

O livro dele nos obriga a pensar: que tipo de humanidade estamos construindo quando substituímos o dilema pela estatística, o conflito pela neutralidade algorítmica, a narrativa pela funcionalidade? Neste tempo de decisões rápidas e silêncios induzidos, a literatura de Edgard Telles Ribeiro permanece como um lembrete: o mais importante da vida talvez resida naquilo que não pode ser previsto – nem programado.

Matéria na íntegra: https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/o-punho-e-a-renda-696852/

15/04/2025