A VIDA TEM DOIS CAMINHOS
A vida tem dois caminhos.
Um, todo cheio de flores,
todo cheio, outro, de espinhos...
Uns pela estrada florida,
passam, bem longe das dores,
só tendo flores na vida.
Outros, bem tristes, se vão,
trazendo os pés nos espinhos,
e espinhos no coração.
*
Deus! Senhor dos dois caminhos
da vida que a gente trilha,
tem pena de minha filha,
da filha de meus amores
que é tão pequenina, assim...
Junca-lhe a estrada de flores!
Deixa espinhos para mim!
(Luz dos meus olhos, Myriam, 1912.)
SERENIDADE
Nunca de mim se ouviu um só protesto
de maldição, de cólera aturdida,
sequer uma palavra, ou mesmo um gesto
de malquerer a quem mais quis na vida.
Arrasto como a um fardo, a alma ferida,
e a dor que me crucia, manifesto,
sem jamais inculpar de fementida,
aquela que em meu sonho amo, e requesto.
Em perdendo-a, perdi toda a alegria
do coração que em mágoas apunhalo.
Perdi a luz!... Fechou-se o sol que eu via!...
Tudo abateu com a queda desse amor,
tão forte, que ainda sinto o seu abalo,
tão grande, que ainda escuto o seu fragor.
(Noite cheia de estrelas, 1925.)
AMOR
Querer que o amor seja eterno, é
querer eterna a primavera.
Júlio Dantas
Todo amor dura, apenas, um segundo,
ou quando dura muito, - uma estação.
É como a Primavera o amor no mundo,
querê-lo, eternamente, uma ilusão.
Chega... Perfuma tudo... O charco imundo
faz em jardim, e passa... É um sonho vão.
- Mas o amor-sofrimento?!... O amor-profundo,
lá da raiz do nosso coração?!...
Amor que sendo angústias sufocadas,
ama cada vez mais, sereno e forte,
e acha encanto nas lágrimas choradas?!...
- Esse, há de eterno, pelo seu sofrer,
arder por toda a vida, até a Morte,
para no além da Morte, reviver...
(Noite cheia de estrelas, 1925.)
A CIDADE DE RECIFE
Pátria do meu amor! Recife linda,
como te guarda o meu saudoso olhar!
Velas ao longe... Os coqueirais de Olinda,
e uma terra a nascer da água do mar...
Um céu de estrelas que entrevejo ainda.
Sob as pontes, o rio a se estirar...
Noites de lua... que saudade infinda...
brancas... que dão vontade de chorar...
Filho ingrato, parti... Mas nem um dia,
deixei de te lembrar, por mundo alheio,
onde me trouxe a glória fugidia.
Pátria, quando eu morrer, piedosa e boa,
dá que eu durma o meu sono no teu seio,
como um seio de Mãe que ama e perdoa...
(Noite cheia de estrelas, 1925.)
MISTÉRIO
"Conheço um coração, tapera escura."
Bilac. (Tarde)
A Clementino Fraga
Que voz foi essa em meu ouvido?
Alguém falou no meu ouvido...
Que doce e estranha vibração
toma-me, agora, o coração?...
- Ninguém falou no teu ouvido...
Esses rumores todos são,
mistério sem explicação,
coisas de velho coração...
Mas esse aroma revivido
ao meu olfato? A exalação
que estou sentindo, de um vestido,
que era o jasmim do seu vestido,
que me não mente o coração?
- Oh, nada sentes!... Nada... Não...
Esses perfumes todos são,
do teu espírito abatido,
mera, fugaz perturbação.
Coisas de velho coração...
Ah que bem disse um Poeta, um dia,
que o triste, humano coração,
quando com o tempo envelhecia,
era também casa vazia,
de assombração...
(O caminho enluarado, 1932.)
TROVAS
Não sei porque, quando canto,
por mais alegre a canção,
tem uma gota de pranto
que vem do meu coração.
*
Eu vi o rio chorando
quando te foste banhar,
por não poder te banhando,
dar-te um abraço, e ficar...
*
Oh lindos olhos magoados,
de tanta melancolia...
- Da tristeza desses olhos
é que vem minha alegria.
*
Amar é obra perdida
mas, que dissessem, queria,
se não fosse amar na vida,
a vida, que valeria?!
*
As penas em que hoje estou,
disse-as ao Sol, - fez-se triste.
Disse-as à Noite, - chorou...
Disse-as a ti, e sorriste...
*
Não lamento a minha lida,
nem, pobre, choro os meus ais.
Quem tem um amor na vida,
tem tudo! Para que mais?
*
Vou vivendo a minha vida,
como Deus quer e consente.
- Sou como a folha caída,
levada pela corrente.
*
Trovas, - cantiga do povo,
alma ingênua dos caminhos,
de lavradores, cigarras,
mulheres, e passarinhos...
*
Para esquecer-te, outras amo,
mas vejo, por meu castigo,
que qualquer outra que eu ame,
parece sempre contigo...
*
Para de amor cantar mágoas,
foi que se fez o violão,
que a gente aperta no peito,
e encosta no coração...
*
Quem tiver amor, esconda,
faça por muito esconder,
que as coisas da alma da gente,
ninguém carece saber...
*
Só peço o dia em que eu morra
faça uma noite de lua,
todo troveiro descante,
todo violão saia à rua.
*
Quando eu morrer, levo à cova,
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova
e o gemer de um violão...
*
A morte não é tristeza,
é fim... É destinação...
Tristeza é ficar na vida
depois que os sonhos se vão...
*
Depois de mandar-te embora
foi que - cego! - percebi,
que eras a felicidade
que eu tinha em mãos, e perdi.
*
Bem sei que amar custa muito,
custa a vida querer bem,
mas custa o dobro da vida,
na vida não ter ninguém.
*
Oh linda trova perfeita,
que nos dá tanto prazer!...
- Tão fácil, - depois de feita...
tão difícil, de fazer...
*
Para definir o Poeta,
Só mesmo em versos defino.
- É um homem que fica velho,
com o coração de menino...
*
Minha Mãe, minha velhinha,
Deus te abençoe, e acompanhe,
porque uma Mãe neste mundo,
quanto mais velha, mais Mãe.
(Poesias completas, 1958.)
VELA BRANCA
Vela branca, vela branca,
que vais lá longe... no mar...
quem me dera, vela branca,
que me quisesses levar
para tão longe... tão longe,
que eu não pudesse voltar...
Mas uma vez, vela branca,
que não me queres levar,
para tão longe... tão longe...
que eu não pudesse voltar,
leva-me a saudade dela
para o mais fundo do mar.
(Poesias completas, 1958.)
A QUE AMEI
(Lendo Paul Neel)
"Elle était blanche, elle
était blonde."
Ela era branca, loira e fina...
Uns gestos moles de cansaço,
Como quem sonha a paz divina,
E ensaia o vôo para o Espaço...
Ingênua, como uma menina,
quando a levava pelo braço
era tão diáfana, e franzina,
que eu nem sequer lhe ouvia o passo.
Um dia a vi adormecida;
muito mais leve que na vida
havia sido - o meu amor...
Pois que da Terra se partira.
tal como o incenso, - de uma pira,
como o perfume,- de uma flor.
(Poesias completas, 1958.)
CIRANDA
... e, embora irmãs,
não se vêem, não se dão, não se parecem
as doze tecelãs...
Guilherme de Almeida
Vejo a ciranda das horas,
moças lindas a cantar...
doze vestidas de branco,
umas de flores na testa,
outras de flores na mão...
E, no balanço da dança,
quando uma vem, outras vão...
Horas do dia e da noite...
Ó vocês! ... Lindas que são! ...
Qual será mesmo a minha Hora,
minha hora de Redenção?!...
Será das doze de branco,
ou das que de negro estão?!...
Qual virá, vindo o meu dia,
pousar a mão no meu peito,
parando o meu coração?!...
(Poesias completas, 1958.)