O símbolo não é apenas arbitrário: é também frágil. Joyce Cary insistia nessa fragilidade como elemento importante no esforço de renovação que todas as formas de expressão empreendem ao longo dos tempos. O símbolo é frágil, mas toda educação repousa sobre o dogmatismo dos símbolos, a tal ponto que a menor das novidades provoca protestos. É o tipo dogmástico do ensino que, nos últimos séculos, vem destruindo a intuição natural da criança. Pode-se discutir sobre se o desaparecimento dessa intuição haja sido, ou não, um bem, mas, do ponto de vista da conquista de uma linguagem cada vez mais viva, a simbologia precisa de contínuos reaferimentos e renascenças. Toda arte usa símbolos, diz ainda Cary, e a II Guerra Mundial começou ao redor de símbolos. Os preconceitos, raciais, religiosos ou políticos, se nutrem de símbolos e, por sua vez, alimentam esses mesmos símbolos.
Cada vez que um homem, descontente com os símbolos que o cercam, tenta criar outros - e escreve uma obra diferente, ou pinta um quadro impressionista em 1870, ou faz um poema como Rimbaud, ou ergue um Ulisses como Joyce, ou reestrutura a sua língua e sua linguagem como Rosa, ou amplia as possibilidades de expressão de um filme como Antonioni - está lutando contra a falta de sentido dos velhos símbolos e levantando toda uma série de símbolos novos.
A história do mandarim que, diante de um quadro de Gainsborough, levado à China por um embaixador inglês, ficou admirado de que as damas inglesas andassem com um lado do rosto sujo, e mais admirado ainda quando soube que aquele marrom escuro de uma face queria indicar sombra, revela o espanto de todo homem, acostumado a seus símbolos, quando posto diante de outros, e, mais do que o espanto, a incompreensão. Assim agiu Albert Wolff , crítico de "Le Figaro", em 1875, ao chamar Renoir de "lunático" e "louco".
Dois anos depois, outro crítico francês, Roger Ballu, classificava Renoir de "ridículo". Para Cary, era Wolff "um homem altamente cultivado", além de "muito bom crítico dentro dos limites de sua educação". A cada momento encontramos críticos, brasileiros e estrangeiros, que, muito bons dentro de certos limites, se mostram incapazes de entender novidades. Isso acontece principalmente quando um crítico favorece uma tese do momento ou está ligado a seitas, estéticas ou políticas, no estilo do norte-americano Granville Hicks que, no fim da década de 20, proclamava que a ficção dos Estados Unidos, fora, nos dez anos anteriores, o que de pior tivera o país em sua história literária.
Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - RJ, 17/01/2001