Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Artur Jaceguai > Artur Jaceguai

Discurso de posse

DISCURSO DO ALMIRANTE ARTUR JACEGUAI

Sr. Presidente da República, srs. Membros da Academia Brasileira de Letras, minhas senhoras e meus senhores:

Conservo a reminiscência de haver lido orações acadêmicas, proferidas em diversas países, inspiradas por situações semelhantes à que ora se me depara.  Não me lembro, porém, se nos exórdios dessas peças oratórias predominava uma idéia comum. Também não procurei tornar a lê-los, receoso de ser, pesar meu, arrastado a imitá-los, incorrendo no rídiculo do plágio, mais ou menos dissimulado, temível escolho para os que, pouco escrupulosos, se aventuram no pélago da publicidade. Todavia é de induzir que as convenções e os preceitos da arte mais exigente não devam inibir o recipiendário, como eu, de tentar exprimir em suas primeiras palavras o reconhecimento de que deve estar possuído no ato de alistar-se na ilustre companhia que generosamente o acolhe em seu grêmio resplendente de glória.

Nem posso crer que as fórmulas adotadas se apartem do sentimento perfeitamente humano, móvel desta minha introdução tímida e vacilante. É certo estar, igual¬mente, na nossa natureza presumirmos com exagero do próprio mérito e do valor das próprias obras; mas o mesmo gênio; universalmente aclamado e reconhecido como tal, não ousaria pretender impor-se à escolha de um círculo limitado de intelectuais que trata de completar-se. Não é de esperar que no critério de eleitores seletos prepondere o intuito de aferir o grau de mentalidade e o quilate das produções do candidato. As coletividades, mesmo as de escol, emitindo um voto de preferência pessoal, não estão adstritas a inspirar-se exclusivamente no sentimento da justiça absoluta.

Assim, a Academia Brasileira, verdadeira constelação onde brilham as sumidades das letras pátrias ao lado das mais fundadas esperanças do futuro mental e moral do nosso país, representa, em certo sentido, a quinta-essência da intelectualidade do povo e por que não o direi?... da raça brasileira. Tanto basta para que este instituto não se nossa esquivar às influências mais poderosas do meio em que se exercita. Ora, entre essas influências atua, inelutavelmente, a do patriotismo; e por mais ruidosas e capciosas que se acentuem as tendências do pacifismo, em moda, do cosmopolitismo hodierno, resultantes inevitáveis da expansão industrial da época, é muito cedo ainda para extinguir-se a paixão do amor da pátria nos descendentes tão próximos daqueles impávidos colonizadores do mais vasto território deste continente disputado entre os dois valentes povos da Península Ibérica. Magna parens virum.

E, senhores, no ponto histórico a que temos chegado, a expressão mais vivaz do patriotismo brasileiro, a nossa Ílion, ainda é a memória da pugnacidade e da constância com que um punhado dos nossos, quase todos já extintos, lutou por cinco anos em um canto mediterrâneo da América ao Sul até a completa desafronta do brio nacional ultrajado pela execranda tirania de López, a mancha ominosa do século XIX.

Eu não posso acreditar que exista entre nós um único espírito superior filiado à grei moderna e extravagante, onde se qualifica o patriotismo de sentimento estreito e bárbaro. Na mesma espontaneidade com que me elegestes apraz-me ver confirmação expressiva do meu sentir. A que poderia eu dever tamanha distinção a não ser à circunstância de pertencer a esse pequeno número, cada dia mais reduzido, dos veteranos da campanha do Paraguai, dos reducci delle patrie battaglie, na locução máscula da língua do Dante, aplicada aos raros sobreviventes da legião de patriotas que haviam pelejado pela redenção da grande pátria italiana?!... Demais, pertença a uma classe que é objeto do carinho e da especial simpatia de todos os povos em que ela tem existência histórica. Sou um marinheiro!... É-me grato reconhecer que em minha medíocre pessoa, no meu apoucado nome, quisestes render preito à Armada Nacional, em cujo rol figuro há meio século! Senhores! Não é velha a nossa Marinha, nascida com o despontar da independência do Brasil. Esta circunstância nobilita-lhe a gênesis e, para identificá-la com as mais caras tradições da pátria, alia-se a de haver sido guiada em seus primeiros feitos por esse êmulo de Nelson que se chamou Lord Cochrane.

Ajuntai a sua adolescência, confirmando a infância titânica, que produziu a alma de ferro de Barroso, do Farragut brasileiro! Não há afetação de modéstia na explicação que procuro para o meu acesso a esta escolhida agremiação, destituído de títulos de familiar das musas inspiradoras de vossas concepções de artistas eméritos nas letras. Não que a minha profissão me alheasse delas. Nem profissão alguma e incompatível com as aptidões literárias. Ao contrário, muitos dos que as têm revelado, em grau elevadíssimo, souberam ilustrar seus nomes em várias províncias do saber ou por ações meritórias de natureza mui diferente. Comprovam-no alguns nomes inesquecíveis de patronos destas cadeiras. Na minha profissão mesma, uma daquelas para a qual o jovem aspirante se preparava, com menor base de estudos secundários, surgiram cultores das letras que não vos envergonhariam sentados entre vós.

O Almirante Joaquim José Inácio, mais tarde Visconde de Inhaúma, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Antônio Cláudio Soido, o Capitão-de-Fragata Antônio Mariano de Azevedo e 1.o Tenente Sabino Elói Pessoa, entre os mortos, o preclaro Barão de Teffé, retirado há longos anos do serviço ativo, mas felizmente ainda vigoroso entre os vivos, revelaram talentos literários que não desmerecem, antes realçam as brilhantes reputações que conquistaram em outras esferas de atividade ou de aplicação mental. Isto sucedia, entretanto, em uma marinha novel e pequena como a nossa.

Nas grandes marinhas seculares, poder-se-iam apontar, em todas as idades, exemplos numerosos, igualmente relevantes. Invocarei poucos, alguns deles, porventura, mal conhecidos. Na marinha inglesa o Almirante Collingwood, o segundo de Nelson e seu substituto na memorável vitória de Trafalgar, que teve a reputação de um fino estilista, de quem um de seus biógrafos, Campbell, disse: “Sua ilustração era assombrosa, levando-se em consideração a sua vida acidentada.” Eu teria de produzir uma longa lista de nomes célebres se fosse enumerar os de todos os homens de letras portadores do botão de âncora na marinha francesa. Não posso, porém, resistir ao prazer de registrar aqui dois entre os mais ilustres, muito lidos em nosso país.

O escritor justamente admirado e que foi ao mesmo tempo a personalidade simpática e insinuante do Almirante Jurien de La Gravière, e o de um nosso contemporâneo, muito mais jovem, que a todos os amigos da boa leitura delícia com os seus primorosos romances e suas extraordinárias descrições de viagens. Adivinhareis sem esforço que vou articular um dos pseudônimos literários mais populares da época, o de Pierre Loti. Na jovem e pujante marinha norte-americana dois nomes também se impõem no mundo das letras, fulgurando, em diferentes épocas, com brilho inexcedível: o do Tenente Maury, em meado do século passado, o autor desse livro imortal, a Geografia Física dos Mares; e, recentemente, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Mahan, cuja estréia de autor foi essa obra magistral, profundamente filosófica, Influência do Poder Marítimo na História, seguida logo de diversas outras não menos sensacionais pela novidade das conceituosas investigações e opulência do estilo, como: a Influência do Poder Marítimo nas Guerras da Revolução, as Vidas de Farragut e de Nelson, os Tipos de Almirantes.

A impressão que esta última deixa no leitor é tão empolgante que eu me julgaria autorizado a transcrever neste momento um dos seus formosos períodos, se não receasse, traduzindo-o, fazê-lo perder de sua eloqüência inegável, da página em que o insigne historiador descreve em termos de um dramático sublime a perseguição ou a caça da esquadra francesa do mando de Conflans, ao anoitecer de um dia de vendaval, pelo bravo Almirante Hawke, rizadas as gáveas de suas naus, sobre as vagas agitadas da Biscaia, sem um prático a bordo, tugged like a maddened horse, através dos temerosos recifes da entrada da baía da Quiberon.

Inútil seria falar das vocações literárias espontâneas que soem manifestar-se em todas as profissões; o que penso é que, em uma raça inteligente como a nossa, a aptidão para as letras poderia estar mais generalizada se houvesse entre nós educação literária sistemática, para aqueles que a pudessem receber. Julgo-me autorizado a usar desta linguagem porque senti em mim mesmo essa falha, logo nos primeiros passos de minha carreira. E, se devorei com avidez a leitura das primeiras obras literárias que me caíram nas mãos, foi por uma sorte de gosto natural pelas letras, já revelado desde a infância quando, inconscientemente, eu declamava a “Noite do Castelo”, os “Ciúmes do Bardo”, as poesias ardentes de Álvares de Azevedo e a prosa picante, então para mim ininteligível mas sonora, das Noites da taverna, do mesmo jovem poeta da escola de Musset, classificada – byroniana – por alguns críticos da época. Abstraio, nestas reminiscências pessoais, da leitura e versão maquinais, obrigadas no colégio, da seleta Latina e da Eneida.

Era o tempo em que os nossos mestres de Humanidades nivelavam em seus métodos rotineiras de ensino as melhores produções da literatura clássica romana com as teorias áridas dos compêndios de Matemáticas elementares e com as definições rebuscadas dos de Geografia Física: Virgílio como Bézout, Tito Lívio como Gaultier; e faziam-nas decorar as estrofes soberbas do Mantuano na mesma entoação com que nos obrigavam a repetir as regras das quatro primeiras operações sobre números ou a descrição do curso de um dos principais rios da Europa.

Na escola superior em que matriculei-me, aos quinze anos, em 1858, a de Marinha, não eram muito mais adiantados o programa e métodos de ensino. O curso escolar, longe de ser a coordenação racional dos princípios da Matemática e das ciências físicas indispensáveis às aplicações práticas imediatas na arte oficial de Marinha, assimiláveis pela inteligência mediana da maioria dos alunos, era, ao contrário, uma acumulação monstruosa de teorias que algum professor pedante ou algum administrador ignorante inculcava ser o lastro científico necessário à profissão do oficial de Marinha, embora só inteligências fora do comum pudessem digeri-las e guardá-las na memória até o período dos exames de fim do ano letivo. A só enumeração dessas disciplinas teria sobre os seus benévolos ouvintes um efeito soporífero fulminante.

Senhores! A escada pela qual me elevei de aspirante a almirante foi íngreme e acidentada como uma enxárcia já rota depois do combate, agitada pela fúria das ondas e açoitada pelo furacão. A mesma rapidez da minha ascensão obrigava-me a esforços desmedidos para firmar-me em cada degrau galgado, onde a minha pequena individualidade ficava em evidência crescente. Já para o aspirante, disputando um lugar de honra em sua classe entre colegas talentosos, alguns deles reunindo, aos dotes intelectuais superiores, melhor preparo educativo, para a iniciação nas devesas abstrusas das ciências, começou a labuta insana – do afinco para vencer as dificuldades daquele amontoado de disciplinas antes mencionado.

Depois, em cada posto da hierarquia, couberam-me sempre as funções mais árduas e difíceis que lhe podiam corresponder segundo os regulamentos vigentes.
No primeiro posto de oficial de patente, o de segundo-tenente, foi-me logo cometido um duplo magistério no quarto ano do curso da Escola Naval de então, em viagem de instrução, de longo curso. Primeiro-tenente, dos mais modernos, fui distinguido pela confiança do bravo Almirante Visconde de Tamandaré, designando-me para seu secretário e ajudante-de-ordens no comando-em-chefe da esquadra destinada a operar contra o Paraguai. Jovem capitão-tenente e capitão-de-fragata, comecei a sentir o cravo das responsabilidades no comando dos principais navios da Armada, na guerra e no mar. Capitão-de-mar-e-guerra, poucos meses depois de completar 26 anos de idade, tocou-me o comando ativíssimo do maior vaso da guerra da Armada em viagens de longo curso e cruzeiros de instrução para guardas-marinha e aspirantes. 

Ainda capitão-de-mar-e-guerra e era-me confiada uma divisão de pequenos navios para conduzi-la ao Prata e ali assumir a chefia da nossa estação naval. Nesse mesmo posto, de capitão-de-mar-e-guerra (aquele que, depois do de guarda-marinha, é o que deixa mais saudades no oficial encanecido no serviço), nomeado adido naval às nossas legações junto aos governos de todas as nações marítimas da Europa, onde mais tarde incidiu sobre mim a incumbência de dirigir o armamento e exercer o comando de um dos maiores couraçados daquela época, o Independência, vendido, depois de acabado, ao governo inglês, então ameaçado de rompimento com outra grande potência do Velho Mundo.

Nessa carreira, de vinte anos de duros trabalhos e espinhosos encargos, promovido ao primeiro posto de oficial-general da Armada, cada um de meus acessos fora um novo estágio de obrigações que se me atribuía para com o país, para com a marinha e para comigo mesmo. Dessas obrigações eu não podia desempenhar-me por outro meio a não ser por um zelo ilimitado ao serviço e por uma aplicação indefesa ao estudo dos conhecimentos variados, e cada dia mais complexos, que impunham-me não só a rapidez dos meus acessos, como as transformações que se operavam incessantemente em todos os instrumentos da profissão naval.

Nem sequer era-me dado dedicar-me a uma especialidade da minha predileção, sob pena de deixar de ser um oficial de Marinha, na acepção nata do termo, para contentar-me com um título de especialista. Por este registro, extraído da minha fé de oficio, podereis formar idéia justa da massa e variedada de conhecimentos, de natureza positiva uns, outros meramente doutrinais, mas que também se adornam e se complicam com teorias científicas, que eu tive de abordar no tirocínio da minha profissão. Este extrato, por outro lado, servirá para mostrar a impossibilidade em que me achei, nos diversos períodos de minha vida, de dedicar-me ao cultivo aturado das letras.

O oficial que, favorecido pelas circunstâncias, adianta-se singularmente em sua carreira e pressente a possibilidade de alcançar os postos mais elevados de sua classe, é induzido imperiosamente a concentrar-se na meditação e no estudo das magnas questões de organização e técnicas que, aliás, os progressos da época renovam dia a dia. E se esse oficial, ainda no vigor dos anos, atinge as culminâncias da escala hierárquica a que pertence, alentado além disso pela confiança de seus contemporâneos, destarte adquirindo a consciência de que, eventualmente, ele poderá vir a ser um dos fatores principais do poder militar de seu país, dominado por preocupações de tal maneira absorventes, ele deve sentir, para logo, não lhe pertencerem as faculdades de que depende a elaboração de obras literárias ou científicas de fôlego.

E, posso dizê-lo, sem incorrer em censurável expansão de orgulho, este foi o destino do oficial da marinha brasileira que, aos 25 anos, era capitão-de-fragata; com pouco mais de 26, capitão-de-mar-e-guerra, e aos 35, oficial-general; o mesmo que ora levanta a sua voz enrouquecida, neste recinto, perante este auditório conspícuo. Senhores! Não foi de plano, para esquivar-me a divagações imaginativas e considerações filosóficas, que ocupei vossa benevolente atenção com este esboço autobiográfico da minha medíocre existência.

Baldo de meios para compor uma oração acadêmica, qual alguns talvez esperassem de mim, e na certeza de que, nesta exibição excêntrica, os olhos de toda a classe militar do país convergiriam sobre mim, tentei bosquejar uma página de ensinamento que me pareceu poder ser de algum proveito, ao menos, para os meus mais jovens camaradas da Armada e do Exército; demonstrando-lhes, palpavelmente, que, entre os deveres morais que o cidadão fardado contrai para com a pátria, está o de estudar, perseverantemente, desde que se matricula na escola preparatória de sua educação militar até a morte. Que esta, se ele não tiver a fortuna de encontrá-la no campo de batalha empunhando a sua espada, não o surpreenda sem o livro ou a pena na mão.

Expressando-me deste modo, acentuo, todavia, a minha convicção de não haver, entre as ciências e as letras, antagonismo essencial; ao contrário, no caso mais comum umas e outras se permeiam, se penetram reciprocamente como os fluidos de diferentes densidades no conhecido teorema físico.
Nem me julgo obrigado a declinar nomes gregos e latinos famosos, de escritores cujas obras chegaram quase intactas até nós, e que sintetizam a ciência dos antigos em uma linguagem castigada e amena, verdadeiramente literária.

Nos tempos modernos Pascal e Buffon, geniais cientistas, foram e são ainda mestres, jamais excedidos, nas magnificências do estilo escrito. Por outro lado, nada tem de paradoxal a observação muitas vezes feita de que, nos monumentos literários de todos os tempos, desde o Velho Testamento, aos poemas imortais de Homero, Virgílio, Dante, Camões e Ariosto, como nos dramas e comédias de Shakespeare ou nas tragédias de Corneille e Racine, escritos em tempos de obscurantismo, depara-se a intuição de princípios só evidenciados pelas últimas descobertas científicas.

Já tive ocasião de aludir, de passagem, ao Tenente Maury, da marinha norte-americana, e à sua obra científica intitulada Geografia Física dos Mares. Pois bem, não conheço livro, em língua alguma, de mais atrativo literário do que esse, contendo ao mesmo tempo copiosa massa de informações e observações, cada qual mais nova e engenhosa, sobre a natureza física dos fluidos que envolvem os continentes terrestres. É, pois, possível que, dado em mim algum sentimento estético inato, e muito particularmente o gosto pela arte de formular o pensamento, arte que na literatura tem o seu mais nobre expoente, é possível, convenho, sem vaidade, que a minha pertinácia em estudos de índole positiva haja contribuído para ensinar-me a emitir minhas idéias e minhas reminiscências, na forma menos fastidiosa para os cultores da beleza da palavra escrita ou falada.

Declaro, porém, que na exteriorização do meu pensamento nunca tive a pretensão de escalar a montanha e penetrar na nuvem, na expressão de Victor Hugo, nessa vossa morada de hoje, a que antes de vós se alaram os talentos insignes de José de Alencar, de Francisco Otaviano, de José Bonifácio, o Moço, de Gonçalves Dias, de Casimiro de Abreu.

Senhores! Por um desses contrastes, não raros em todos os gêneros de sucessões, é na cadeira laureada por este último nome que eu venho sentar-me. Casimiro de Abreu! o poeta de nascença, imaginação rica e docemente melancólica, servida pela mais espontânea e esquisita faculdade de compor versos líricos melodiosos; ele que, com as suas Primaveras, soube eletrizar toda uma geração.
Eu era então menino e lembro-me que todos os dessa minha fase de vida sabíamos de cor as suas maviosas poesias.

Ele, em suma, que viveu e morreu como poeta, antes de haver roçado os espinhos inseparáveis do caminho que conduz à madureza da vida.
Eu! que nunca pude rimar duas linhas em qualquer metro, salvo se o fiz alguma vez inconscientemente.

Byron foi, de todos os modernos poetas, o que mais me apaixonou quando o li, pela primeira vez, na minha mocidade, de tal maneira que tentei traduzi-lo. Só consegui, porém, fazer algumas pálidas imitações do sombrio autor do Corsário e do Childe Harold, todas, por sinal, em versos de pés quebrados. Por esse tempo, havendo lido, em Lamartine, que “a poesia não era outra coisa senão um pro¬duto da exuberância do talento”, fiquei convencido, diante deste conceito do imaginoso autor da História dos Girondinos, não ser eu mais do que uma bem caracterizada nulidade.

Quem invocou o nome simpático de Casimiro de Abreu, para perpetuá-lo no nimbus de glória desta eminência intelectual, creio haver sido o seu contemporâneo e meu antecessor imediato na Academia de Letras, Teixeira de Melo.
Diante deste último nome sou forçado a calar-me destoando talvez das praxes acadêmicas.
Revelar-se-me-á, porém, a singularidade, ante a minha confissão, ingênua talvez, de não haver conhecido o homem nem a sua obra.

A minha abstenção, neste caso, creio ser a maior homenagem que prestar possa à sua ilustre memória. Não seria digno dela, nem de mim mesmo, ler apressadamente as produções para vir aqui fazer delas e do autor um panegírico convencional.
Só me resta dirigir-me ao jovem literato e publicista Sr. Afonso Arinos, que por um requinte de bondade e de amizade prestou-se à tarefa penosa de vir receber-me nesta corporação que ele tanto abrilhanta com os seus variados talentos.

Se o fato de ser o recipiendário de hoje um veterano da guerra do Paraguai, da qual não pretende outra glória senão a de haver sacrificado nas aras da pátria, durante a cruenta luta, o que então possuía de mais prestante – os melhores anos de sua juventude; se a circunstância notada tiver o efeito de vos induzir a aplicar as vossas provadas faculdades de investigador do passado a discretear sobre a história, inda não escrita, daquela guerra memorável, não o podereis fazer melhor do que inspirando-vos no gênio do eminente historiador italiano  que ilustrou com as suas eloqüentes conferências as últimas reuniões desta Academia, para separardes a verdadeira história das legendas que a deformam e que com relação à guerra do Paraguai, ferida há cerca de quarenta anos, subsistem em toda sua plenitude de falsidade. E, se quiserdes prestar inteira homenagem ao exímio autor da Grandezza e Decadenza di Roma, profligai com a vossa habitual independência e vossa estimada hombridade a mais funesta das legendas, a que mais afeia e deturpa as narrativas esparsas daquela gloriosa cruzada nacional, a legenda urdida pelo ódio político, em documentos oficiais da época.

Para concluir, senhores da Academia Brasileira, volto à imagem desenvolvida do príncipe dos poetas do século XIX, por mim já invocada.
Todos vós tendes conhecimento dos meus temores de tentar a minha elevação ao cimo da região dos iguais, onde paira esta Academia; todas as minhas forças, havendo-as eu gasto em outra tentativa não menos arrojada, na qual, entretanto, com a proteção de Deus, eu chegara ao vértice da pirâmide alcantilada.

Mas ali mesmo encontrei afrontosa decepção, debaixo da forma dos botes traiçoeiros do abutre hediondo da inveja; não das águias, encaradas de perto, quais entrevira a imaginação prodigiosa do Prometeu de Guernesey.

A palma virente que me conferistes eu a recebo, pois, como gratíssima compensação à dolorosa prova, e, apertando-a em meu seio, a beijo reverente e vo-la agradeço do fundo da minha alma.