Há um mês, parte do telhado da casa em que morou Carmen Miranda, na travessa do Comércio, aqui no Rio, já tinha desabado. Há dias, foi a vez do resto do telhado. As paredes e a fachada continuam firmes, sabe-se lá até quando. O entorno está passando por um belo processo de revitalização, com reforço dos imóveis e sua ocupação por gente dinâmica e criativa. Aos sábados, é um dos melhores programas a se fazer na cidade. Mas um desastre como este afeta todo mundo.
Carmen e sua família moraram ali de 1925 a 1931. Enquanto a adolescente Carmen trabalhava fora, em confecções e chapelarias, sua mãe mantinha em casa a chamada "pensão diurna" —servia almoços para a vizinhança, no caso, a praça 15. Muitas famílias do Rio viviam disso. Dois comensais descobriram a Carmen cantora. E dali sairia a estrela em que, por méritos só seus, ela se tornaria.
O prédio ficou famoso como "a casa de Carmen Miranda", como se fosse a única. Mas, antes, Carmen já havia morado nas ruas Senhor dos Passos e Candelária, no centro, e Joaquim Silva, na Lapa; depois, moraria na André Cavalcanti, em Santa Teresa, na Silveira Martins, no Catete, e, finalmente, na avenida São Sebastião, na Urca, de onde partiria para a Broadway e Hollywood. Exceto o da Lapa, todos esses endereços estão de pé, os três últimos com placa sobre Carmen na fachada. O da travessa do Comércio foi abandonado. Será triste se ele acabar de vir abaixo.
É um prédio de fins do século 18. Por si, e pela história daquela região, merecia cuidados. Mas seu antigo proprietário, a Santa Casa de Misericórdia, nunca lhe deu a menor importância. Desde 2011 pertence a um particular, de quem se espera que agora lhe faça justiça —ou o repasse a quem quiser fazer.
Um dia, o Brasil chegará ao capitalismo. Uma casa de Carmen Miranda pode ser um patrimônio cultural, artístico, turístico e —taí!— até comercial.