A Academia Brasileira de Letras repudia com veemência mais uma tentativa de censura a um livro nas escolas brasileiras. A Acadêmica Ana Maria Machado falou, na sessão plenária de 20 de junho, que dois fenômenos crescentes em nosso tempo causam profunda preocupação: a censura a livros e a intimidação do magistério. “É contra ambos que me manifesto com igual veemência”, disse.
Ela lembrou os fatos que aconteceram na semana passada em uma escola do município mineiro de Conselheiro Lafayete. “A Secretaria Municipal de Educação decidiu retirar das escolas o livro “O menino Marron”, de Ziraldo, distribuído para alunos da terceira e da quarta série . Antes de mais nada, reiteramos nosso total repúdio a toda e qualquer forma de censura a obras literárias – no caso, incidindo sobre um livro publicado em 1986, de um autor premiado e respeitado no Brasil e no exterior, um clássico de nossa literatura infantojuvenil, que vem sendo lido nas escolas brasileiras há quase quatro décadas.
Além disso, queremos também chamar a atenção para a maneira com a qual vêm se processando esses repetidos episódios de ataques e proibições a livros em escolas. Seguem um mesmo roteiro. Um livro é selecionado por uma comissão de especialistas do Ministério da Educação, provado, recomendado e passa a fazer parte de uma ampla lista que se oferece para a escola dos educadores. Numa segunda etapa, passa por um novo crivo e é então escolhido por uma escola que tem professores, orientadores pedagógicos, diretor.
Surge então um pai que reclama e mobiliza um grupo de pais que reforçam o questionamento. Eventualmente, um pastor ou pediatra amplia a queixa. E, frente a essa reclamação, nenhum desses educadores consegue defender sua escolha. A onda se espalha pelas redes sociais. Apela-se, então, à solução mais simples: o livro é recolhido, retirado das escolas e bibliotecas. E quem o selecionou dentre uma ampla lista não se sente em condições de argumentar a seu favor e justifica a escolha. Como se uma reclamação contra quem diz que a terra é redonda ou que as espécies evoluem não pudessem apresentar defesa contra o terraplanismo ou o criacionismo.
Os acadêmicos Antonio Carlos Secchin e Godofredo de Oliveira Neto também se manifestaram. Para o Secretário-Geral da ABL, Antonio Carlos Secchin, toda censura é arbitrária. Ele diz que a opção para saber o que é bom e o que não é deve partir do próprio leitor. “No caso em questão, parece que a própria ameaça foi o motivo da censura e não se concretiza porque o pacto, até propositadamente, renega a violência e se transforma em um acordo de paz. “Será que estamos proibindo livros que, em vez de querer o sangue, propõem a paz?"
Godofredo de Oliveira Neto afirma que a obra de Ziraldo agora criticada e solicitada que seja retirada do acervo da escola não faz sentido. É um livro de mais de 40 anos. “O que está acontecendo com o Brasil que agora é essa reversão, esse retrocesso? Não é só injusto, como injustificável. As pessoas não entendem o que é a literatura, a arte, o cinema, a escultura, a música. É o Brasil andando para trás."
24/06/2024