José Carlos Vasconcelos
A presidência portuguesa da União Europeia (EU) correu muito bem, os seus principais objectivos foram atingidos, o país e o Governo - em particular o primeiro-ministro, José Sócrates, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, podem estar legitimamente satisfeitos. Entre esses objectivos atingidos avultam, obviamente, a assinatura do Tratado Europeu pelos 27 e as duas Cimeiras, com o Brasil e com a África. O haver sido celebrado o Tratado, o quer que venha a acontecer, e o terem-se realizado as cimeiras, quaisquer que venham a ser os seus frutos, foi em si mesmo muito positivo, constituiu um magnífico «resultado». Abriram-se portas que era indispensável abrir: agora importa que por elas venha a sair e a entrar o que se deseja...
Não se deve, assim, cair no absurdo de desvalorizar, ou mesmo tentar ridicularizar, o que se conseguiu, por não haver uma alteração visível, imediata ou a prazo certo, da situação anterior. Porque, por exemplo, julgo claro que nenhuma Cimeira, seja ela Europa-África ou outra qualquer, pode ter a virtualidade de por si só alterar o rumo dos acontecimentos naquele martirizado continente, em particular no que concerne às verdadeiras tragédias humanitárias e aos imensos atentados aos Direitos Humanos que o ensombram. Mas a simples circunstância de se falar disso, de confrontar os seus dirigentes políticos com as vozes, ainda que 'diplomaticamente' contidas, que alertam para a situação e os advertem para as suas gravíssimas responsabilidades, já é um importante primeiro passo no bom sentido. Embora não mais do que isso, pelo que convém não embandeirar em arco, nem encher de mais a boca, e porventura sufocar, com o êxito da presidência.
De qualquer modo, 2007 foi um ano em que Portugal projectou a sua imagem e assumiu um assinalável protagonismo europeu. Em especial nas relações com o Brasil e a África. E creio que tal circunstância, particularmente importante para o efeito, deve ser 'aproveitada' ao nível da lusofonia, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Por outras palavras, e em síntese, creio ser legítimo esperar que como 2007 foi para o nosso país, digamos, um ou o ano da Europa, 2008 seja o ano em que, finalmente, se avance de forma resoluta e significativa na construção de uma CPLP forte, dinâmica, interventiva. Em tal desígnio se incluindo a concretização efectiva do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, 20 anos depois de criado no papel pelos Chefes de Estado dos países do nosso idioma comum.
A Academia Brasileira de Letras (ABL), após o logo consulado de 34 anos da presidência de Austregésilo da Athayde - de 1959 até à sua morte, em 1993 -, para impedir a perpetuação no cargo passou para o extremo oposto: mandatos de apenas um ano, podendo renovar-se só uma vez (quando, permita-se-me a opinião, parece mais lógico, para permitir uma intervenção mais planeada e de fundo, mandatos de dois anos, com possibilidade de uma ou duas renovações). Assim, chegou ao fim a presidência de Marcos Vinicios Vilaça, agora substituído pelo conhecido jornalista (no Brasil os jornalistas têm outro «estatuto» e há vários na instituição...) e escritor Cícero Sandroni, como noticiamos na última edição.
Pelo que sei, muitos membros da prestigiosa e poderosa ABL quiseram votar uma alteração da actual regra, para permitir a reeleição de Vilaça; mas ele, estando embora de acordo com tal mudança, não aceitava que se aplicasse já, a si próprio. Adiante, que o meu ponto é outro, relacionado com a CPLP, de que antes falei: a extraordinária acção do escritor, jurista, sociólogo pernambucano (ex-presidente, e ainda ministro, do Tribunal de Contas do Brasil), à frente da ABL, demonstraram muito raras qualidades de iniciativa, imaginação, organização, capacidade de articulação de atingir um certo objectivo.
Qualidades de que, aliás, já tinha dado sobejas provas, em outras circunstâncias e «missões». E às quais acresce o facto de Vilaça ser uma figura de indiscutível peso cultural, social e mesmo político (não partidário), com trânsito em diversos países do nosso idioma comum. Tudo exemplo do ‘perfil ideal’ de um futuro secretário-executivo da CPLP, não designado burocrática e rotativamente mas escolhido pela sua capacidade para o bom desempenho do cargo, como se impôs fazer a partir de 2008 - acabando com um sistema que é em grande parte responsável por a Comunidade estar muito longe do que dela se esperava.
Jornal de Letras, Artes e Idéias (Portugal) janeiro/2008
03/01/2008 - Atualizada em 03/01/2008