Simone Mousse
João Ubaldo Ribeiro conta, com ar maroto, que detesta escrever para televisão. Mas, volta e meia, pára e pensa no assunto. Foi assim há cinco anos, quando teve uma súbita idéia de um seriado interativo em plena travessia da barca de Salvador para Itaparica, na Bahia. Imediatamente, procurou o parceiro e amigo Geraldinho Carneiro, com quem já fez alguns programas, e contou sua história mirabolante. E foi assim, num clima de camaradagem e ansiedade, que a dupla recebeu o GLOBO para um bate-papo sobre "Faça a sua história", resultado daquela "viagem" que virou especial de fim de ano da Globo e será exibido no dia 27 de dezembro. Com possibilidades de entrar na disputada grade do ano que vem.
- Não tenho nada contra televisão, mas não tenho nada a ver com ela. Já tive muito. Já fui viciado em teIevisão, mas hoje raramente assisto. Essa idéia eu tive quando GeraIdinho fazia o “Você Decide” – conta Ubaldo.
- Ele me disse que tinha inventado uma coisa e tinha que me contar com urgência. Seria um programa interativo que, em vez de oferecer ao público a alternativa de dois finais, ofereceria o tema do seguinte. – explica Carneiro.
A idéia pode não ser de todo nova, mas é mínimo instigante. E um pouco difícil de ser compreendida em poucas palavras.
- Eu tive um trabalhão danado para explicar ao Geraldinho, ele não entendia de jeito nenhum – diverte-se João Ubaldo.
- E, depois, ficamos queimando a mufa para descobrir uma maneira de fazer isso na televisão – acrescenta Carneiro.
Se a atração vingar mesmo em 2008, o “Faça sua história” retomará os moldes do extinto “Você Decide” mas, em vez de decidir o final, o público decidirá o que verá no episódio seguinte. A coisa funciona mais ou menos assim: no meio de um capítulo, aparecerão algumas cenas corriqueiras e aparentemente sem importância. Pode ser um casal discutindo na rua, uma criança brincando ou um freguês reclamando com o pipoqueiro. No fim, o telespectador terá que escolher qual delas terá desdobramento na outra semana.
- Vários incidentes iriam acontecendo durante a narrativa e, depois, o público seria chamado a escolher um deles. Seria uma espécie de comédia humana. Um programa Ievaria ao outro e não acabaria nunca. - diz João Ubaldo.
Com três histórias no papel, GeraIdinho Carneiro foi à cúpula da Globo vender o programa. Nada aconteceu naquela época.
- O projeto foi posto de lado e, quando menos esperamos, ele virou especial. Será um balão de ensaio para o ano que vem. – conta. - Como será somente um episódio agora, não dá para ter o mecanismo da interatividade. Mas o público perceberá essa possibilidade.
O programa, uma comédia rasgada, terá um personagem que conduzirá a narrativa: o taxista 0swaIdir (Stephan Nercessian), que contará muito “causos” ao seu passageiro, interpretado por Luiz Gustavo. São justamente essas tramas paralelas que poderiam render os episódios futuros.
- O taxista fala da vida de todo mundo, principalmente das divas do subúrbio onde ele mora. – conta Carneiro. - E as histórias vão se emendando. No final, o taxista vai querer contar mais uma história, mas não dá tempo, sugerindo que poderá haver uma continuação.
Agora, experimente perguntar a Ubaldo se ele gostou do programa.
- Nem sei do que se trata – responde ele às gargalhadas, com o jeito sossegado, peculiar dos baianos. – Odeio escrever roteiros.
- Ele eslava viajando quando a Globo decidiu, não deu tempo de mostrar. Mas vou mandar o texto para ele fazer emendas. – explica Carneiro.
A dupla costuma trabalhar assim: Ubaldo tem a idéia e Carneiro a transporta para a linguagem televisiva. Sem ciúmes e estresse, o escritor dá quantos pitacos quiser no texto do roteirista. E nunca tiveram problemas com isso.
- A primeira vez em que trabalhamos juntos foi numa situação embaraçosa. Fui chamado para adaptar para a TV “O sorriso do lagarto” (1991), do Ubaldo. Ele morava em Berlim e tinha sido aconselhado por Jorge Amado a não se meter com negócio de adaptação. E ficou sabendo que, na minissérie, eu mataria uma personagem que sequer existia no romance – lembra Carneiro.
- E a personagem tinha o nome da minha prima, que coincidência - revela UbaIdo.
Os dois contam que, por causa dessa história, a imprensa tentou tachá-los de inimigos.
- Queriam que a gente se odiasse, mas não deu certo - gaba-se Carneiro.
- Somos uma dupla do barulho. - resume UbaIdo.
O Globo (RJ) 16/12/2007
18/12/2007 - Atualizada em 18/12/2007