Aos 80 anos, médico critica banalização da cirurgia plástica, que não pode ser tratada como "mercadoria"
Maria Vitória
Da equipe do Correio
O senhor octogenário, bem conservado para a sua idade e elegante, é reverenciado por onde passa. Todos param para cumprimentá-lo, tirar fotografias, pedir conselhos. Não por menos. Este senhor é Ivo Pitanguy, o papa da cirurgia plástica mundial. A reverência é tratada com naturalidade por quem há mais de 40 anos cuida da formação de centenas cirurgiões e promove, com seu bisturi, o resgate da beleza de anônimos e famosos, incluindo estrelas como as atrizes Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Candice Bergen, e a princesa iraniana Farah Diba. No Brasil, operou Sônia Braga, Vera Fischer, Suzana Vieira e Glória Pires. Pitanguy não cita nomes, não é do seu feitio. Porém, apesar do seu currículo e da fama internacional, ele não economiza palavras para criticar a banalização das cirurgias plásticas. Maioria das pacientes faz o procedimento para melhorar a aparência. Mas, para o cirurgião, "o padrão da beleza que existe hoje é imposto pela moda. Não é real". Ele faz também um alerta: "Uma mulher acima do peso não deve fazer uma lipoaspiração com o intuito de emagrecer. Eu não faço e encaminho para um nutrólogo".
Às vésperas de completar 81 anos, no dia 5 de julho, ele exibe pleno vigor físico e mental. Ainda faz pesca submarina em sua ilha, em Angra dos Reis (RJ), joga tênis e exercita a mente lendo, escrevendo e fazendo conferências pelo mundo afora. Como em Brasília, onde Pitanguy esteve participando do Fórum Nacional de Defesa do Especialista e deu esta entrevista ao Correio.
Na sua opinião, há um exagero no número de cirurgias plásticas realizadas atualmente?
Há, na verdade, uma divulgação errônea sobre o que é cirurgia plástica. E a busca exagerada vem da compreensão errada do ela pode realmente oferecer. Os brasileiros são conscientes da qualidade dos nossos cirurgiões, todos bem treinados, o que leva a procura por estes procedimentos. O erro é a interpretação da cirurgia plástica como mercadoria, porque ela é uma prática médica, com todos os riscos e todos os benefícios. Esta postura partiu de um grupo que, ao perceber esse filão do mercado, interferiu junto a cirurgiões sem uma boa formação ética.
Em que casos a cirurgia plástica se transforma em mercadoria?
Quando ela é oferecida como parte de um pacote turístico. O paciente paga o procedimento em 10, 15, 20 prestações ou por meio de consórcio. Pessoas estranhas à área médica intermediam a cirurgia e lucram com o tratamento. Em medicina esse é um ato antiético, pois você não pode pagar a outra pessoa um percentual sobre o seu ganho como médico. Vi esta prática em outros países e sempre condenei. Hoje, presencio no Brasil. Com isso, cirurgias são executadas por profissionais não especializados e que dão lucros a estes grupos. Porém, a cirurgia plástica bem feita e as pessoas bem informadas dos benefícios que ela pode trazer são uma vitória para a população e para a medicina.
O senhor acredita que o Brasil é um pólo turístico de cirurgia plástica, atraindo pacientes de outros países?
Sempre tive pacientes do mundo inteiro em minha clínica, uma conquista por meio de trabalhos científicos publicados em revistas médicas e cirurgias bem sucedidas. Outros cirurgiões brasileiros seguiram o mesmo caminho, e o Brasil se transformou em uma referência de qualidade na área. Alguns brasileiros vão se tratar de determinadas doenças nos Estados Unidos ou na Europa, em busca de melhor assistência. Não vejo nada de anormal nesta procura por médicos de outros países. O que condeno é o oferecimento de cirurgias plásticas atreladas a pacotes turísticos. Saúde é saúde. Turismo é turismo.
As pessoas sempre buscam o tipo de beleza das celebridades da moda. Fazem lipoaspiração para ficarem esguias, colocam silicone para aumentar os seios. Não corremos o risco de ter uma sociedade de pessoas padronizadas?
Não existe este risco. A beleza é uma entidade que precede o homem. O ser humano sempre admirou o belo. E quando o belo existe, ele vai se impor por si mesmo em sua forma, em sua harmonia e em seu conteúdo. Nós não dominamos a beleza. Ela é que nos domina. Quando você ouve o poeta falar da beleza, ele vai pela tangente. Quando a beleza fala dela mesma, ela fala em bruto. Ela é um sonho. O padrão da beleza que existe hoje é imposto pela moda. Não é real.
O surgimento de novos tratamentos, como preenchimentos e terapias a laser, substituem ou retardam a cirurgia plástica?
Esses novos procedimentos, quando bem indicados, agem como auxiliares. Ou seja, podem retardar em alguns casos, preparar para a operação ou complementá-la. Nenhum desses tratamentos são substitutos. Vieram melhorar a qualidade da cirurgia plástica.
Esses procedimentos não estariam tirando mercado dos cirurgiões plásticos?
Pelo contrário. Os preenchimentos e o uso estético do laser ajudam as pessoas que não precisam de plástica.
O senhor já operou alguém que não precisava fazer nenhum retoque estético?
Se eu operei, e pode ter ocorrido, foi porque fiz um diagnóstico errado. Tomo bastante cuidado na entrevista e na seleção dos pacientes, pois a pessoa pode estar com um quadro que não necessita de cirurgia, mas de psicoterapia. Neste caso, vou ajudá-la, mas encaminhando-a para um psicoterapeuta e não operando-a. O médico pode errar. Ele não é Deus.
A banalização das cirurgias estéticas não está dificultando o acesso de quem precisa de plásticas reparadoras e de correção?
É mais grave. Não existe diferença entre estética e reparadora. Cirurgia plástica é uma só. As duas se confundem. Se eu faço uma correção de orelha de abano, ao mesmo tempo darei uma melhor harmonia ao rosto do paciente. A banalização prejudica principalmente a parte da estética, que precisa ser bem indicada. Uma mulher acima do peso não deve fazer uma lipoaspiração com o intuito de emagrecer. Eu não faço e encaminho para um nutrólogo. Outros fazem, apesar da contra-indicação, banalizando o procedimento.
Qual a sua opinião sobre a bioplastia?
É um tipo de procedimento estético totalmente fora dos padrões médicos. É um termo errado, pois não existe plástica por bioplastia. São produtos que, quando injetados no corpo humano, não se tem controle sobre eles. É um grande erro que pessoas mal orientadas apliquem este tipo de tratamento.
Célula-tronco é o futuro?
Esse é um campo que estou olhando com grande esperança. Acredito que na cirurgia plástica, como em toda medicina, esse será o futuro na recuperação de tecidos e órgãos. Atualmente estou com um caso grave: um português que perdeu metade do rosto. Minha equipe e eu estamos reconstruindo com segmentos de pele. Quando os médicos tiverem condições de usar partes de órgãos da própria pessoa, sem risco de rejeição, será um progresso imenso.
O senhor já se submeteu a uma cirurgia plástica?
Não. Sou tolerante. Convivo bem com a minha imagem. É a melhor plástica que existe.
Correio Braziliense (DF) 19/6/2007
25/06/2007 - Atualizada em 24/06/2007