FUNESTA
Se passas junto a mim, eu sinto as vagas
Do fundo oceano da paixão, rolando,
Quebrarem-se em meu peito, como quando
Rebentam as do Mar nas duras fragas.
Da luz do teu olhar sereno e brando
Toda a minh’alma docemente alagas;
Se por acaso ris-te e se me afagas,
Semiânime julgo-me tombando!
Tens sobre mim a ação misteriosa
Que sobre o aço tem o ímã! Cismo
Que já me empolga a força deliciosa!
Sou presa desse eterno magnetismo!
E quando tu me fitas silenciosa,
Sinto que vou rolar num fundo abismo!
(Lírica, 1887.)
A BORDO
Tu vais! No alto mar, por sob um céu de anil,
Lúcido e transparente, infindo e imaculado.
Volve aqui para nós o semblante magoado,
Lança um último olhar às costas do Brasil.
Quando a brisa marinha, indolente e sutil,
A face te oscular num beijo prolongado,
Lembra-te então de mim, do pobre desterrado,
Desta ingênua paixão, tão simples e infantil!
Quando vires voar os albatrozes brancos,
Com as asas rasgando os píncaros e os flancos
Das montanhas azuis do oceano sem fim,
Deixa então a tua alma atravessar o espaço...
Que ela venha poisar no meu febril regaço
E chore o teu amor lembrando-se de mim.
(Lírica, 1887.)
AMOR E RAZÃO
A Alberto Pereira Leite
“Sempre a razão vencida foi de amor.”
Camões
Por que me hei de importar? Se a Razão pede
Sacrifícios, com lágrimas os paga.
Se tenho no meu peito aberta chaga,
Ela nenhum alívio me concede.
“Para, infeliz! Alguém teus passos mede...
Se em gozos a tua alma se embriaga,
Todos os teus sentidos prende e esmaga,
Que sentir e gozar o mundo impede!”
“Se tens um coração e nele oculta
Uma paixão qualquer, ou triste ou grata,
Fere-o, e no peito toda a dor sepulta.”
Isto a Razão nos diz contra a Paixão.
Mas se esta nos dá vida, e aquela mata,
Que vença o Amor, e esmague-se a Razão.
25 de dezembro de 1884.
(Lírica, 1887.)
BALADA
A Rodolfo Amoedo
Por noite velha, no castelo,
Vasto solar de meus avós,
Foi que eu ouvi, num ritornelo,
Do pajem loiro a doce voz.
Corri à ogiva para vê-lo,
Vitrais de par em par abri,
E ao ver brilhar o meu cabelo
Ele sorriu-me, e eu lhe sorri.
Venceu-me logo um vivo anelo,
Queimou-me logo um fogo atroz;
E toda a longa noite velo,
Pensando em vê-lo e ouvi-lo a sós.
Triste, sentada no escabelo,
Só com a aurora adormeci...
Sonho... e no sonho, haveis de crê-lo?
Inda o meu pajem me sorri.
Seguindo a amá-lo, com desvelo,
Por noite velha um ano após,
Termina enfim o meu flagelo,
Felizes fomos ambos nós...
Como isto foi, nem sei dizê-lo!
No colo seu desfaleci...
E alta manhã, no seu murzelo,
O pajem foge... e inda sorri.
Dias depois, do pajem belo,
Junto ao solar onde eu o ouvi,
Ao golpe horrível do cutelo,
Rola a cabeça e inda sorri!...
(Cantos e cantigas, 1915.)
A RAIVA DE NISE
Ao que eu te digo de carinho e enleio
Respondes irritada e desdenhosa?!
Enfim, o espinho é natural na rosa
E ama a serpe esconder-se em morno seio.
No meio de um mirtal em flor, no meio
De uma seara próvida e viçosa,
Às vezes surge planta venenosa
E sapos coaxam no mais claro veio.
Vênus, a doce e branda, contam poetas,
De onde em onde também se encoleriza;
Nas flores mesmo há cóleras secretas.
Raiva, pois, meu amor pisa e repisa,
Não me arreceio do furor que afetas:
Que é o vendaval? a cólera da brisa.
(Cantos e cantigas, 1915.)