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Zélia relembra primeiro encontro com Jorge Amado ao tomar posse na ABL

 

Cecília Costa e Rachel Bertol

O GLOBO (22.05.2002)

 

Como se fosse uma das histórias de seus livros de memórias, Zélia Gattai, de 85 anos, relembrou ontem, ao tomar posse na cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), sua vida de mais de meio século em comum com o marido, Jorge Amado, falecido em agosto do ano passado. Zélia - primeira viúva a ocupar a vaga que pertencia ao marido na ABL - puxou os fios do passado, primeiro lembrando sua família em São Paulo, tão bem retratada em "Anarquistas, graças a Deus", seu primeiro livro. Depois, levou os convidados que lotaram ontem à noite o salão nobre do Petit Trianon, na sede da ABL, na Avenida Presidente Wilson, no Centro, a viajar para 1945, a um comício na capital paulista a favor do comunista Luís Carlos Prestes, quando o casal pela primeira vez se encontrou.

- Jorge sempre me dizia: "Ao pousar pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou" - contou a escritora, que, na ocasião, já era fã do escritor, tendo ido ao comício para vê-lo.

Políticos e artistas entre os convidados

A primeira coisa que o jovem comunista, então com pouco mais de 30 anos, propôs a Zélia foi que redigisse um comunicado para a imprensa. "Não sabe bater à máquina? Que moça mais inútil!", brincou ele. A posse da escritora - que terminou o último livro que publicou na véspera da morte do marido - foi uma das mais concorridas dos últimos tempos na ABL. Estavam presentes o governador da Bahia, Otto Alencar; o prefeito de Salvador, Antônio Imbassay; e o ex-senador Antônio Carlos Magalhães - também lembrado no discurso de Zélia como um grande amigo, apesar das posições antagônicas na política com Jorge Amado. A governadora Benedita da Silva foi representada por seu marido, Antônio Pitanga.

- O que Jorge Amado fez pela Bahia nos obriga a prestar sempre nossas homenagens a esse casal. Zélia é uma grande escritora, a sua posse é um regozijo para os baianos - disse Antônio Carlos Magalhães assim que chegou à ABL.

O acadêmico Eduardo Portella, um dos principais incentivadores da candidatura de Zélia, foi responsável por saudar em discurso a nova imortal. Portella, que é presidente da Biblioteca Nacional, defendeu a literatura memorialista da escritora e lembrou que ela foi eleita não por causa do marido, mas graças a seu público fiel. O presidente Fernando Henrique Cardoso e sua mulher, dona Ruth, enviaram um telegrama para parabenizar a acadêmica recém-empossada. Também presente ao evento, a atriz Fernanda Montenegro disse que Zélia era uma amiga a quem foi abraçar e desejar boa sorte. Outro que compareceu à festa foi o compositor Dorival Caymmi.

Zélia recebeu a medalha de imortal de Carlos Heitor Cony e o diploma, de Antônio Olinto. Em seu discurso, ela também prestou uma homenagem à Bahia, onde disse ter vivido com o marido e os filhos os melhores anos de sua vida.

- Filha de São Paulo, terra do café, acompanhei Jorge à terra do cacau. A Bahia, que aprendi a amar através de seus romances, abriu-me os braços - afirmou ela.

A recepção na ABL foi alegrada por baianas vestidas de branco, que serviam acarajés aos convidados. A cadeira de número 23, agora ocupada por Zélia, é uma das mais nobres da academia, pois tem Machado de Assis, fundador da ABL, como primeiro ocupante e seu patrono é José de Alencar.

Tranqüilidade durante os preparativos para a posse

À tarde, horas antes de tomar posse, Zélia estava tranqüila. A escritora manteve sua rotina e foi ao mesmo cabeleireiro próximo de sua casa, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde estivera no dia de sua eleição.

O fardão, nas palavras de sua filha Paloma, ficou lindíssimo. A costureira foi a mesma que fez os demais fardões femininos para a ABL, Silvia Souza Dantas, seguindo mais uma vez o modelo concebido para a primeira mulher a entrar na Casa de Machado, Rachel de Queiroz. Todos os paramentos - fardão e colar - como é praxe ocorrer em posses de acadêmicos, foram doados pelo governo da Bahia, estado onde Zélia Gattai foi tão feliz com seu marido, na famosa casa no Rio Vermelho. A mesma casa que, como outros temas familiares, virou livro nas mãos desta autora autobiográfica e memorialista, cujas obras, tantos são os seus fiéis leitores, assim que editadas viram rapidamente best-sellers. Desde "Anarquistas, graças a Deus" até o recente "Códigos de família", Zélia se tornou para sua editora, a Record, uma autora que, além de dar prestígio, vende muito bem.

Zélia Gattai foi eleita com 32 votos, em dezembro do ano passado, quórum elevado para quem ficou um pouco em dúvida quanto à candidatura, já que o convite dos acadêmicos para que ocupasse a vaga deixada por Jorge Amado a pegou de surpresa, ainda no meio da dor da viuvez.

 

07/06/2006 - Atualizada em 06/06/2006