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Sobre Celso Furtado

 

Helio Jaguaribe

Jornal do Brasil (08.12.2004)

 

Apesar do muito que já se disse sobre Celso Furtado, falecido no dia 21 de novembro, não quero deixar, pelo longo contato de amizade e coincidência de idéias que com ele tive, de agregar algumas considerações a seu respeito.

Celso pertence a esse reduzido grupo de autores de uma grande obra que, não obstante, são pessoalmente ainda mais importantes que sua obra. A grandeza de Celso Furtado se desdobrava em muitos planos, do privado ao público, do intelectual ao ético, do cultural ao cívico. Dessa multiplicidade de aspectos salientarei em Celso apenas três: o do economista, o do desenvolvimentista e o do homem de ação.

Doutor em Economia pela Sorbonne Celso foi um dos homens-chave da Cepal de Raul Prebisch e se afirmou, subseqüentemente, não apenas como o grande continuador do pensamento cepalino mas, notadamente, como um inovador das contribuições prebischeanas, às quais acrescentou um amplo embasamento histórico e uma decisiva estruturação teórica.

Prebisch foi, sobretudo, um estrategista do desenvolvimento. Compreendeu que o desenvolvimento da América Latina não poderia percorrer a via pelos seguida pelos paises desenvolvidos da Europa e dos Estados Unidos, que iniciaram ou continuaram de perto a Revolução Industrial. Prebisch se deu conta de que a problemática com que se defronta a região era a de superar um subdesenvolvimento que, em grande medida decorria de sua condição periférica, ante o centro desenvolvido, em virtude da qual lhe eram impostas relações desfavoráveis de intercâmbio. Daí sua ênfase na substituição de importações, no planejamento e na integração regional.

Celso concordou plenamente com essa formulação mas a ela agregou duas importantes inovações. Por um lado, mostrou ser indispensável uma aproximação histórica do problema, o que ele nos dará com sua Formação Econômica do Brasil. Por outro lado, procurou identificar a essência do processo desenvolvimentista, observando que este decorre, em parte, do encaminhamento de satisfatória parcela do excedente social para inversões prioritárias, com correspondentes contenção do consumo das elites. Ademais, que este tem fundamentos culturais e requer um continuo esforço de inovação, tanto tecnológica como gerencial.

A contribuição de Celso para o desenvolvimento, alem de em livros como Teoria e política do desenvolvimento econômico e vários outros, inclusive esse verdadeiro breviário teórico que é Introdução ao desenvolvimento, se realizou também, praticamente, na direção da Sudene e na formulação, no governo Goulart, do Plano Trienal. Nesse campo, ademais dos aspectos precedentemente referidos, Celso Furtado tornou clara a necessidade, não apenas por razões sociais e éticas, mas por razões especificamente econômicas, de se reduzir, significativamente, as desigualdades de classe e regionais, que tão profundamente afetam o Brasil. É da ampliação do consumo popular que decorrem a formação de um grande mercado e, no âmbito deste, as oportunidades para investimentos reprodutivos.

Não se pode deixar de referir, no tocante à dimensão pessoal de Celso, sua ampla cultura, seu intimo conhecimento das artes e seu humanismo. Sua militância o levou a ser um ativo homem de ação. Tinha, ideologicamente, uma posição social-democrata, mas não se restringiu a vinculações partidárias e sim a compromissos programáticos. Foi o que o levou à Sudene, ao exercício do cargo de Ministro do Planejamento de Goulart e, mais tarde, da Cultura. Foi, igualmente, o que o conduziu, em toda a sua atividade intelectual, a se empenhar por levar à pratica suas idéias econômicas e sociais.

Neste momento em que o Brasil se defronta com uma gravíssima contradição, ainda não resolvida, entre o imperativo de assegurar o equilíbrio das principais variáveis macroeconômicas e a urgente e imprescindível necessidade de acelerar seu desenvolvimento econômico e social, o pensamento de Celso contêm a resposta e sua atuação pessoal nos fará a maior falta.

Helio Jaguaribe é cientista político.

 

07/06/2006 - Atualizada em 06/06/2006