Imagine ouvir versos como "Colombo, fecha as portas dos teus mares!", de Castro Alves, em "O Navio Negreiro", ou "Última flor do Lácio/ És, a um tempo, esplendor e sepultura", de Olavo Bilac, em "Língua Portuguesa", recitados por seus autores. Como nenhum dos dois foi gravado, temos de lê-los nós mesmos em voz alta para imaginar como seria. Castro e Bilac são poetas que ficam melhores ainda quando suas palavras ressoam no espaço, mais do que na leitura muda a que submetemos tudo que nos cai aos olhos.
Em 1955, o jornalista Irineu Garcia, em parceria com o livreiro Carlos Ribeiro, fundou no Rio um pequeno selo fonográfico, Festa, para gravar amigos como Carlos Drummond, Manuel Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles, Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes e o chileno Pablo Neruda lendo seus poemas. Dali resultaram, até 1962, 97 LPs por todos os grandes nomes da poesia e da literatura brasileira. Irineu morreu em 1984, mas seus discos, depois de pular por várias gravadoras, estão todos agora no streaming. É uma festa literária, como ele queria.
Não sei se teve essa ideia por conta própria ou se foi inspirado pelas americanas Barbara Holdridge e Marianne Mantell, que, em 1952, criaram um selo de discos em Nova York para gravar literatura. Era uma aposta corajosa. Começaram pelo poeta galês Dylan Thomas, então morando na cidade e decidido a zerar o estoque de uísque no Greenwich Village. Mas o LP que extraíram dele vendeu 400 mil discos até 1960 e lhes permitiu gravar quem elas convidassem: T.S. Eliot, Ernest Hemingway, William Faulkner, Gertrude Stein, W.H. Auden.
Depois, tiveram a ideia de gravar os clássicos por artistas famosos, como Vanessa Redgrave, Richard Burton, Maggie Smith, Boris Karloff. Seu selo deu origem à indústria de audiobooks, que, hoje, nos EUA, tem um público de 140 milhões de clientes e movimenta US$ 7 bilhões por ano. Não, não temos nada nem parecido por aqui.
Marianne morreu em 2023, aos 93 anos. Barbara, na semana passada, aos 95.