Quando o mundo se apaixonou pelas drogas, em fins dos anos 1960 —maconha, ácido, ervas diversas—, a ideia era a de que elas permitiriam "expandir a mente, desvendar outros mundos, viajar ao inconsciente, às profundezas da alma". Pelos anos seguintes, a música, a literatura e o comportamento pareceram depender desses aditivos para existir, embora muito do que se produziu sob o efeito deles continuasse dentro da cabeça de seus criadores. A palavra "undergound" significava o novo, a contestação, o antissistema.
Nas décadas de 1970 e 1980, foi a vez da cocaína, com seu poder de dotar executivos caretas de uma ceroula imaginária do Super-Homem sob seus ternos de grife. Da mesma forma, era uma droga para poucos, exclusiva, cara, difícil de encontrar. Seu fornecedor costumava ser um colega de escritório, discreto, à prova de suspeita —onde ele a conseguia, não interessava. E, assim como os alucinógenos de pouco antes, era como se o uso de uma droga fosse uma opção individual, sem consequências além do gosto ou do nariz de cada um.
Ninguém se preparou para o que inevitavelmente aconteceria quando essa busca do nirvana e do superpoder se tornasse uma obsessão mundial. Nunca houve campanhas objetivas de esclarecimento e prevenção. Não se abriram clínicas suficientes para atender os súbitos milhões de dependentes das substâncias. Não se atentou para os exércitos de meninos sem futuro nos países "em desenvolvimento" jogando seu presente nas fileiras do crime organizado.
Nenhum dos governos brasileiros —nenhum— desde 1985, quando a situação começou a se agravar no mundo, deu atenção ao problema. E não foi por falta de aviso. Nunca faltaram alarmes sobre a iminência da chegada, por exemplo, do crack e das drogas sintéticas, assim como, agora, dos novos opioides. O que devia ser o trabalho de sucessivos ministros da Saúde, da Assistência Social e da Justiça foi terceirizado desde o começo para a polícia.
E, incrivelmente, só agora o Brasil descobre que é um enorme underground.

 
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