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Um sonho de Ano-Novo

 

Ladrão assalta uma casa, em Goiânia, resolve tirar uma soneca e acaba preso. O assaltante, um homem ainda jovem, entrou na casa que estava vazia, reuniu todos os objetos que pretendia levar, mas antes de ir embora tratou de dormir um pouco. A dona da casa encontrou-o dormindo na cama dela e chamou a polícia. O homem estava num sono tão profundo que os policiais tiveram de jogar água fria em seu rosto para que acordasse. Folha.com

Ele tinha um sonho: Começar o Ano-Novo com uma festa, uma bela festa, com direito a peru assado, champanhe, salada de frutas, torta de chocolate. Uma festa que faria a alegria de sua humilde família, de seus amigos, que tornaria 2011 um ano inesquecível. Mas onde arranjar dinheiro para isso? Pobre, desempregado, não tinha um centavo no bolso.

O jeito era recorrer a um assalto. Perto da favela onde morava havia uma casa, que não era exatamente grande ou luxuosa, mas que certamente teria televisores, computadores e eletrodomésticos diversos.

A dona, uma senhora viúva, dona de uma loja no centro da cidade, saía todos os dias para trabalhar e não deixava ninguém cuidando da moradia. Uma barbada que ele tinha de aproveitar, se queria mesmo dar a sua festa.

O problema era a falta de experiência, que o deixava nervoso. Mas precisava ao menos arriscar.

Na noite que precedeu o assalto simplesmente não conseguiu dormir, tal o seu nervosismo. De manhã estava tonto de sono, sentindo-se mal. Agora, porém, iria em frente de qualquer maneira.

Foi até a casa, esperou que a dona saísse. Pulou o muro, e sem a menor dificuldade conseguiu arrombar a porta. Ficou maravilhado: havia muito mais coisas do que ele imaginara: três TVs de tela plana, dois laptops, equipamento de som sofisticadíssimo...

Levou tempo para reunir os objetos e colocá-los num enorme saco de aniagem que ficou pesado e que exigiria dele, homem franzino, um enorme esforço para ser carregado - esforço que ele, contudo, faria com prazer. Sem esforço não se consegue nada na vida.

Já ia embora quando, ao entrar no quarto da dona, viu a cama em que ela dormia. Uma cama maravilhosa, larga, macia. A cama que ele sempre pedira a Deus.
Resolveu deitar um pouco, só um pouco, uns minutos. Mas suas pálpebras pesavam, o sono vencia-o e acabou adormecendo.

Sonhou. Com o que? Com a festa de fim de ano, claro. Ali estavam os familiares, ali estava o pessoal da favela. Todos radiantes, todos homenageando-o. Na hora do brinde ele abriu uma garrafa de champanhe. Como não tinha prática, o líquido esguichou, molhando-lhe o rosto. Com o que ele acordou.

Estava, mesmo, molhado. Mas era água, água comum, da torneira. Água à qual os policiais haviam recorrido para arrancá-lo do sono profundo e levá-lo preso. E para a cadeia ele foi. Triste, naturalmente.

Consolava-o, porém, uma ideia: nunca havia dormido tão bem, nunca tivera um sonho tão gratificante. E não poderia haver melhor maneira de entrar no ano novo do que sonhando com coisas bonitas e animadoras.

Folha de São Paulo, 27/12/2010