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Um poeta esquecido

 

Poeta que se destacou na sua geração, acha-se hoje Nilo Aparecida Pinto (1915-1974) praticamente esquecido. Mineiro de Caratinga, exerceu o cargo de auxiliar direto de Juscelino Kubitschek na Presidência da República. Passou os primeiros 20 anos de sua vida em Vitória do Espírito Santo, onde se formou em Direito e iniciou sua carreira de jornalista e de escritor.


Mudou-se para Belo Horizonte, onde sua poesia fez sucesso, tendo ingressado na Academia Mineira de Letras. Possuído de uma "angústia de viver" que atinge muitos poetas, superou-a através de uma poesia pessoal, com palavras simples que, num ritmo seguro, surgem como as únicas possíveis em cada verso.


A posição, a que chamo romântica, tem a vantagem de colocar o poeta nesse estado de isolamento diante de cada coisa e de levá-lo a tirar sangue de si mesmo no lidar com a poesia, sem a preocupação de teorias estéticas a lhe perturbar a pesquisa pessoal do meio de expressão. A consciência de seu instrumento lhe é necessária, sim, mas não como teoria inamovível, como lei da qual não se possa afastar nem a que deseje converter todos os outros poetas de seu tempo.


A demasiada tendência a querer levar seus companheiros de poesia pelo mesmo caminho que segue, demonstra em geral, falta de segurança, necessidade de apoio, medo de estar só.


É nessa posição de bom isolamento que se encontra Nilo Aparecida Pinto, cuja obra vem de longe, mas que se revela, de modo mais sólido, em Sol do Abismo. Coloca-se ele, nesse livro de sonetos, com os sentidos bem abertos à percepção de cada coisa. Assemelha-se, até certo ponto, ao poeta francês Francis Ponge, cujo Parti-pris des Choses é a afirmação de um homem que adota mesmo "o partido das coisas". A semelhança fica nessa tomada de posição inicial, porque, no mais, os dois poetas são bem diferentes um do outro.


Enquanto Francis Ponge canta, em versos que são haustos, que se fixam na forma sincopada, Nilo Aparecida Pinto desfia - com calma, justeza e harmonia - as palavras tranqüilas de sua canção. O soneto `O galo', por exemplo, mostra bem esse romantismo que se veste de novas roupas e que exprime um momento seguro da poesia brasileira contemporânea: "Por que o ideal guerreiro em que te abrasas?/ Longo, marcial, se teu clangor se escuta,/ o instinto te abre o pátio da disputa,/ clarim nos cantos e tambor nas asas. // És o lanceiro. O músico. A absoluta / audácia. O peito em sonhos, o elmo em brasas,/ armas, burlas, clarins, e extravasas/ os teus impulsos de centauro em luta.// Um poeta, em mim, se integra em teu roteiro/ de perigos e canções. E, ó mensageiro/ das albas, tu, que a luz chamas do além, // antes me anunciasses, com teu canto,/ esse tardio sol, que espero tanto, / essa esquiva manhã, que nunca vem."


A poesia de Nilo Aparecida Pinto é, como se vê, de justa simplicidade. Suas palavras são as de todos os dias. Há, contudo, na junção de uma e outra, uma firmeza lírica de significados que eleva o tom de seu canto. E as imagens, de que lança mão, prescindem do "como", do signo de comparação que pode ser uma debilidade de expressão poética. No caso, o galo é mesmo "o lanceiro, músico, a absoluta audácia". Seu ritmo se encadeia com tal precisão que se torna desnecessário o termo comparativo.


Outra característica da poesia da coisa é que ela torna o poeta mais aberto a novas experiências (quando o poeta julga não precisar das "coisas", costuma fechar-se em seus dogmas e tornar-se inatingível ao bom e fecundo avanço do mundo externo). Nilo Aparecida Pinto, com todo o subjetivismo lírico de seus sonetos, tem essa intimidade com os objetos que distingue o bom poeta.


Vejamos como sente ele `A estante': "Com livros te fundei, jardim erguido/ Suspenso burgo onde outra luz suponho, / vais-me ofertando nos murais do sonho/ bairros de solidão, parques de olvido. // Rondo-te os patamares. Surpreendido,/ confunde-me terrível e medonho/ teu dédalo de folhas, que transponho/ sob as ogivas do desconhecido. // Ó cidade de ruas superpostas./ Perplexo em tuas súbitas encostas,/ por mais que ansioso de amplidões me afoite, // quando nas torres os faróis elevas,/ a tua luz, gerando novas trevas, / torna mais densa noite a minha noite."


Uma das primeiras qualidades que Nilo Aparecida Pinto mostra possuir é exatamente essa unidade, essa coesão de palavras, de sons, de ritmo, dentro de um sentido poético primitivamente natural e de profunda originalidade. "Sonetos" é um bom exemplo da poesia brasileira. Sem se desligar de todo de experiências mais antigas, e com o aproveitamento de meios aperfeiçoados pela melhor poesia, Nilo Aparecida Pinto faz um uso preciso de suas qualidades de criador de cantos, em sonetos de sólida feitura e ritmo tranqüilo.


Tribuna da Imprensa (RJ) 18/3/2008