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Temer, da estabilidade à regressão

 

O discurso de Temer, ao assumir, removeu qualquer perspectiva de interinidade do novo governo. Fica, por força, a repetição inevitável do óbvio, na invocação da esperança, no apelo às reformas, para dar conta do mandato. Ao mesmo tempo, no seu primeiro encontro com o país, o presidente em exercício, no frente a frente com a massa, tornou preciso o que não vai fazer, na definição de toda sua política pública. No controle esmerado das frases, verifica-se logo que não patrocinará a intervenção pública na área econômica, limitando-se, nitidamente, à área social. Nesta mesma medida, afasta-se de premissa fundamental do desenvolvimento, que é a presença dominante do Estado na expansão da infraestrutura. Refere-se a que toda a iniciativa, neste domínio, dependerá da estrita e permanente atividade conjunta da área pública com a privada.

Temer exime-se, também, de todo aumento tributário, inevitável em toda política de redistribuição de renda, ante a escandalosa concentração que, no Brasil, deixa metade do PNB em menos de 5% da população. O novo presidente pretende reformular o atual regime federal. Mas, supõe-se, intervirá no sentido contrário ao exigido nas políticas de mudança no presente estágio da nossa melhoria coletiva. Ou seja, reclama-se o reforço dos recursos da União, tendo-se em vista o repetido desperdício dos montantes tributários vindos aos municípios, no favorecimento da corrupção, e das vantagens políticas, nos repasses de verba. Fica a interrogação quanto à futura política externa, no avanço inédito, e já, de se associar a representação no estrangeiro à ação econômica, e ao alavancar a dinâmica de exportações ao fomento do nosso mercado.

O que se pergunta mais a fundo, no que Temer tornou o remate do seu recado, é o apelo regressivo ao “ordem e progresso”, mote que, a partir do juscelinismo, é o inverso da garantia da nossa prosperidade. Fiel ao positivismo republicano, o slogan da bandeira convalida a inércia das dinâmicas do bem-estar nacional, a consagrar as injustiças coletivas, que marcaram o status quo tradicional. É contra esse “quietismo” que se instaura, no revide à ordem, a mudança e, ao progresso vegetativo, o desenvolvimento, na correção dos desequilíbrios de estrutura, e na consciência do tempo dramático e irreversível em que se cumpre. Significativamente, o PT e as siglas afins já postularam a sua absoluta oposição ao programa Temer, e a busca da alternativa, sem concessões, em que podem reemergir as esquerdas brasileiras. 

O Globo, 02/06/2016