Em meados dos anos 80, o Maksoud Plaza, então o hotel mais imponente de São Paulo, tinha um cardápio musical de classe internacional. Pelo 150 Night Club, sua boate no subsolo, passaram os cardeais da noite de Nova York —cantores como Bobby Short, Alberta Hunter, Carmen McRae, Anita O’Day, Joe Williams, o casal Jackie & Roy, e um escrete de jazzistas novos e das antigas. O Ziegfeld por trás de tudo isso era Roberto Maksoud, que, ciente de que nem todos podiam bancar os uísques do 150, abriu um piano-bar no térreo: o Trianon, perfeito para happy hour. Era ao alcance de todos e tinha sempre alguém não tão famoso, mas digno de nota, ao piano e ao microfone.
Um desses foi o quase obscuro Ronny Whyte, ótimo saloon-singer de Manhattan. Era um desperdício. Enquanto ele desfiava letras de enorme sofisticação, como as de "Witchcraft", "You Fascinate Me So" ou "When in Rome", o Trianon fervia com executivos cantando suas secretárias no pós-expediente. Tais cantadas eram ao pé do ouvido, mas, somadas aos estalos dos beijos roubados e aos protestos das moças, provocavam um infernal burburinho.
Numa noite em que fui vê-lo, perguntei-lhe se aquela balbúrdia não o afetava. Ronny, finíssimo, disse que nem a escutava. Cantava e tocava para si e para quem quisesse ouvi-lo. Os outros, ignorava.
Ronny morreu na semana passada em Nova York, aos 88 anos, e, numa de suas últimas entrevistas, contou a verdade. Incomodava-se sim, e muito, com o barulho das plateias. Gostaria que dessem às letras de Cole Porter ou Stephen Sondheim o valor que elas mereciam. Mas sabia que era assim com todos de seu estilo, até mesmo com seu amigo Bobby Short no chique Café Carlyle. A diferença é que, ao identificar a mesa barulhenta, Bobby passava a cantar baixinho, até silenciar. A mesa se ouvia tagarelando e se mancava. Bobby então sorria para eles e retomava a canção.
Mas Ronny não era Bobby. Convencera-se de que só servia como um estágio entre a mesa do escritório e a cama do motel.