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Sérgio Rodrigues e o móvel brasileiro

 

O recado de Sérgio Rodrigues, que vem de nos deixar, é o da fundação de um veio da nossa cultura. Vamos lhe dever o nosso móvel, marcado com o que pode o mais doméstico dos nossos dintornos. Libertamo-nos, pelas suas obras, do anódino ou do inexpressivo nesses objetos que nos cercam.

Sérgio associou à sua melhor produção a pesquisa das nossas madeiras, no jacarandá ou na peroba, suas nervuras e encaixes. No desenho de cadeiras antológicas, como a "poltrona mole", buscou um assento "para nos atirarmos", e no do banquinho "mocho", seu primeiro sucesso reconhecido, deu-nos o desafogo para as pernas.

Longa, a trajetória que o levou às obras-primas nesse campo, passando por todos os êxitos do arquiteto, convidado, desde a sua formatura, para a construção do Centro Cívico de Curitiba, seguindo-se as mais de duzentas casas que ideou ao jeito e à fruição dos seus proprietários.

O que impressiona, ao mesmo tempo, é a longa metodologia desses trabalhos, no cálculo dos centímetros para o "à vontade" do que seja a descoberta de uma verdadeira anatomia do conforto. Mas é sempre o artista que dá a última palavra, não fosse Sérgio o filho do pintor Roberto Rodrigues, assassinado na sua juventude. O desenho se esconde numa quase invisibilidade, todo a servir à leveza do gesto que se remete ao descanso. A criação da "poltrona mole", da "Oscar", ou da "Kilin" permitiu essa força da presença das quase esculturas de Sérgio, como a do mobiliário pedido por Niemeyer para encher os espaços burocráticos de Brasília. Foram múltiplos os prêmios internacionais, como o da "poltrona mole", trazida pelo MoMA ao altar das obras definitivas da modernidade. A Oca, no Rio, tornou-se o endereço dessa produção, na avidez permanente do mercado, ao fio das décadas. Fundador dessas formas definitivas, trouxe para a nossa cultura o ofício do designer e o desponte dessa disciplina do olhar sobre as coisas, e sua secreta harmonia.

O fundador que nos deixa assentou, de vez, sua mensagem nessa fatura sempre inédita do objeto mais chegado à intimidade de nosso cotidiano.

Jornal do Commercio (RJ), 12/07/2014