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Sem Vilaça, Vilaça 100

 

Neste 2014 o velho Vilaça completaria cem anos. Para mim, seu filho único, é a ativação de uma lembrança eternamente orgulhosa. Estou sem ele. Foi o melhor pai do mundo. É claro, Vilaça era o meu pai. Mas não é tão simplória esta admiração. Debaixo do mesmo teto vi o bom marido e gozei do pai generoso. Fora das nossas quatro paredes, o velho, o meu querido velho, da canção de Alternar Dutra, chegou a ser muita coisa no universo que escolheu, o agreste de Pernambuco.

Assim é que fundou colégios e ensinou 35 anos; dirigiu por 40 anos a mais antiga e maior cooperativa rural do Nordeste; foi correspondente pioneiro no interior, do Jornal do Comercio e do Diário; por mais de 50 anos escreveu crônica diária para a Rádio Difusora de Limoeiro; durante 26 anos; ocupou a presidência da Câmara de Vereadores em 5 legislaturas; foi prefeito; escreveu seis livros; desportista entusiasta do futebol e do voleibol. Tantas outras coisas mais, tantas mesmo, em seus mais de 70 anos em Limoeiro.

Organizou seu modo de ser, parecendo seguir a lição de Lincoln no discurso de posse do segundo mandato: "Sem hostilidade para quem quer que seja e com solidariedade para todos".

Desconfio que certo silêncio se abata sobre a data, já que é comum ao brasileiro a desmemória. Além dela, a surdez. Então, vou falar dele. Por isso, desejo em algumas poucas crônicas dar o meu depoimento suspeito. Filho falar de pai velho, de pai perdido ou achado nos cem anos do seu nascimento, há de ser sempre suspeito. Depoimento isento não vale nada nesses casos, há de ser suspeito.

Passo avista no que sei dele e do que constatei nele e reconheço a lisura com que sempre agiu. Não era um burlão. Conciliador, sim, muito conciliador. Raramente radicalizava e quando acontecia saíssem da frente. Era incontrolável. Mas foi tão pouquinhas vezes, que nem dá para um juízo perfeito.

Aprendi com ele a fazer curvas. Será por isto que tanto aprecio curvas, em especial as curvas de Oscar Niemeyer? Minha mãe era mais constante nas retas. O famoso Coronel Chico Heráclio, com a sabedoria dos homens velhos, costumava a ela se referir dizendo: "Dona Evalda é um trem na linha". Minha mãe não poucas vezes pôs meu pai nos trilhos dos julgamentos, sempre por ele movidos em tolerâncias.

Ouvi nos meus tempos de moço infinitamente Alternar Dutra a cantar "Velho, meu querido velho/Agora caminha lento/Como perdoando o vento/Eu sou teu sangue meu velho/Teu silêncio e o teu tempo". Ouvia e cantava baixinho, como quem quisesse parar o tempo. Mas o pai envelhecia. E eu, também. Tomara que eu mereça ser chamado de "Velho, meu querido velho". Já chegou a hora e a vez.

Jornal do Commercio (RJ), 07/08/2014