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Saber o já sabido

 

Eu disse "informações disponíveis" —o que inclui dados remotos e obscuros, produzidos um dia por alguém a respeito do biografado e há muito perdidos. Ela os achará de um jato, sem o desgaste imposto a nós, mortais, que podemos levar anos e vários pares de sapatos para chegar a essas mesmas informações. Mas uma biografia se faz de algo mais importante e ainda fora do alcance da geringonça: as informações indisponíveis.

Enquanto a inteligência artificial só sabe o que pode saber —o que consegue aprender a partir de dados de alguma forma sabidos—, o verdadeiro biógrafo busca o que ninguém sabe. Ou, mais exatamente, o que alguém ou alguns poucos sabem, mas nunca revelaram ou puseram por escrito. Um biógrafo atilado e diligente chegará a eles e, com sua habilidade ou experiência em entrevistas, extrairá informações fora do alcance de qualquer engenho eletrônico. Essa habilidade ou experiência inclui um fator até agora exclusivo dele: o fator humano.

Uma entrevista não é um questionário do IBGE nem um interrogatório policial e, muito menos, uma confissão arrancada a tortura. Pressupõe uma empatia entre entrevistador e entrevistado, uma lenta conquista de confiança. Refiro-me às entrevistas para uma biografia ou para uma reconstituição histórica, que podem se arrastar por anos e em que o autor quase se casa com algumas fontes. Já os repórteres de jornal ou de TV não têm esse tempo. Para arrancar informações de alguém, têm de usar muitas vezes a cara, a coragem e a esperteza.

Quero ver a inteligência artificial com todos esses atributos.

Folha de São Paulo, 05/10/2025