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Obama depois de Obama

 

O primeiro debate dos candidatos do Partido Democrata à sucessão de Obama primou pela irrelevância. Marcou, também, a nítida liderança de Hillary Clinton no confronto com três apagados governadores. É significativo que a antiga secretária de Estado do atual presidente não tenha trazido à linha de frente o seu trato com a dimensão internacional da primeira potência do mundo. A tônica veio, de saída, às questões ancestrais, quase idiossincráticas, da cultura americana quanto ao porte de armas, no clamor, já chegado ao inconsciente coletivo do país, da secular Rifle Association, a associar a disponibilidade da arma aos próprios direitos humanos. Evidenciou-se o cuidado, de toda forma, de estabelecer limitação ao uso de fuzis ou revólveres, em etapa marcada, hoje, pelos assassinos em massa, deflagrados, sobretudo, por menores e estudantes. 

O que se deu de debate ideológico nasceu do confronto de Hillary com o senador Bernie Sanders, no que poderia ser uma posição política de esquerda não no ataque à crença liberal, urbi et orbi, mas no tocante à possível redistribuição de renda, atentando-se à hegemonia de Wall Street sobre o capitalismo do país. Faltaram propostas concretas de governo, refugiando-se no futuro conteúdo programático de sua administração. 

O que mais impressiona, entretanto, é a absoluta ausência, no horizonte internacional, de referências à ação sobre o Isis que representassem um avanço sobre a proposta de Obama. Nenhuma citação sobre o jihadismo ocidental em apoio ao governo de Abu Bakr, nem sobre o aumento do voluntariado macabro por jovens americanos, a se somarem ao extremismo muçulmano. Manteve-se, de toda forma, Hillary fiel à ação conjunta com os outros países, hoje, a conjugar forças no Velho Continente, para o esmagamento do Estado Islâmico. Calou-se a candidata, entretanto, sobre as novas ameaças de ruptura do pacto europeu concernente às diásporas do Oriente Médio e à onda migratória, em crescendo ainda imprevisível. 

Resulta do debate, com toda a clareza, o destaque da candidata. Frente à massa do eleitorado, tal como se evidencia, sobretudo, a temática republicana, a situação internacional se vê como um fato consumado da hegemonia americana. A dúvida vai toda, entretanto, à outra carta na manga do situacionismo, como a possível candidatura do vice-presidente, num reforço à continuidade atual. E seus trunfos nascem do novo programa militar americano, para o esmagamento dos Boko Haram ou para o reforço às tropas no Afeganistão e no Cazaquistão. A entrada na liça de Joe Biden poderia derrubar a atual tranquilidade sucessória de Hillary. Na nova dimensão de prestígio mundial do atual presidente, e numa dimensão rooseveltiana, lograr-se-ia assegurar, pelo seu atual vice, a manutenção de Obama após Obama.

Jornal do Commercio (RJ), 23/10/2015