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O PT e o jejum da esquerda

 

Uma das particularidades do nosso regime democrático – e reconhecida lá fora – é a de que os condenados a cumprirem prisão domiciliar podem participar plenamente do nosso debate virtual e até em linhas de ponta do nosso atual questionamento político. Não é outra a força do questionamento de José Dirceu, ao trazer a uma reflexão toda a continuidade da sua militância no PT e voltar às raízes de sua identidade.

Reclama o ex-ministro, e com acerto, da exigência de uma prospectiva para que o partido possa, de fato, se realinhar. Não é em torno do bate-boca sobre a corrupção na Petrobras que o petismo vai, de fato, sair do atoleiro de dúvidas. Paira o sentimento, ao início deste governo, de visão mais conservadora da mudança, expressa pelo realismo imediatista da equipe de Levy. Muito da abrupta queda da popularidade de Dilma vem das denúncias da Petrobras. Mas a recuperação do Planalto não vai depender do impacto das vozes sôfregas da delação premiada. É certeira a visão de Dirceu de que a recuperação depende da certeza das metas a largo prazo e da fidelidade ideológica, que assentou o arranco político do partido de Lula. Só o fortalecimento, hoje, da sua posição de esquerda assegura o reencontro da sigla, e, como diz o ex-ministro, é só a afirmação das metas de fundo que recuperaria a militância, tão esgarçada no começo do novo governo.

De logo, também, o que desponta é a ausência de uma nova geração de lideranças e a perda dos governos estaduais críticos na Federação, a partir do Centro-Sul do País. Não é outro o encargo que vai a Jacques Wagner e à possível reversão da onda de impopularidade do governo, não obstante o seu inesperado deslocamento para o ministério da Defesa. Sua vigorosa entrada em cena no atual somatório de impasses só se reforça com a entrada de um terceiro protagonista, tornando ambíguo o jogo das oposições e multiplicando a capacidade de negociação de Eduardo Cunha, fiador, ao Planalto, da cooperação do Legislativo.

A reflexão de Dirceu dirige-se a essa falta de precedente, em toda nossa história política, de um partido a se manter no poder por quatro mandatos. E sua terapia, nessa condição inédita, é garantir a radicalidade de sua prospectiva, diante do desgaste de todo o situacionismo e do “banho-maria” dos moralismos de todo o sempre.

Jornal do Commercio (RJ), 13/02/2015