Dispomos de livros, quadros e objetos de origem pessoal, procedentes de acadêmicos como Olavo Bilac e Manuel Bandeira.
Cada objeto viveu à sombra do dono até o seu desenlace. Inanimados, despediram-se das casas onde foram seguramente felizes, e transferidos para a Academia Brasileira de Letras. Aqui ajudam a revelar que vida tiveram antes.
Espalham-se pelas bibliotecas e pelas salas. Ao vê-los inertes na aparência, compunjo-me, procuro saber que arrebato se escondeu em cada um deles. O quadro de Marília de Dirceu, a mulher amada pelo poeta da Inconfidência Mineira, pintado por Manuel Santiago, foi doado pelo acadêmico Getúlio Vargas na sessão do dia 24 de agosto de 1944. Nada sei do vínculo havido entre o presidente da República e a dama circundada por uma aura de mistério.
Estranho é ter-se instalado nas nossas dependências, sem explicação satisfatória, a chave da casa da mesma Marília. Destaco a lembrança mundana do cardápio do banquete oferecido a Machado de Assis em 1889, a evidência palpável de um festim do qual o autor se absteve quase de frequentar no futuro.
Machado tinha afeição pelo lar. Ou o amor era para Carolina? O fato é que embelezou as paredes do Cosme Velho com razoável coleção de quadros que lhe iam sendo regalados. E indago, curiosa, o que motivou o presidente possuir uma litografia com o rosto de Flaubert.
Aqui está o quadro a óleo que Bernardinelli pintou do autor em 1905, três anos antes de sua morte. Nele estampa-se a severidade de um brasileiro que ascendeu ao firmamento e se descuidou da vida após a morte recente da esposa.
A Sala Machado de Assis, no primeiro andar do Petit Trianon, registra como o fundador da Academia Brasileira de Letras, de origem modesta, soube absorver as excelências de outras artes além da escrita. Exemplo deste apreço são os pertences que ainda restaram dele, à margem do verbo poderoso, que, observados, ganham transcendência.
O pince-nez de uso diário, ali exposto após sua morte em 1908, perturba a quem se iluda em enxergar o mundo através dos olhos que o autor lhe empreste.
Observo o pince-nez e sofro o impulso de limpar os cristais. A amada peça com a qual Machado escrevia esmiuçando com ironia e perspicácia a besta humana. Talvez tendo a seus pés o cachorrinho que amava. O mesmo pince-nez com o qual apreciava os muitos quadros seus que tinham a mulher como tema, em geral com pose nada beatífica.
Este pince-nez arfa na Academia Brasileira de Letras. Felizmente alguém o retirou do seu rosto, salvando-o de seguir com Machado de Assis para a eternidade.