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O papel dos advogados

 

Infortunadamente , nem a Ordem da classe se dá conta disso, embora, aqui no Rio, o nobre presidente tenha lutado por melhor tratamento aos advogados, mas estão eles cada vez mais arredados do Poder Judiciário. Não falo do peticionar, que é constitucional, nem falo em contestar ou recorrer, muito menos de outras faculdades, que não são favores e que se aninham nos códigos.

Os advogados estão cada vez mais arredados do contacto pessoal com a magistratura. Visível é a dificuldade com os julgadores de primeira instância, ainda mais os jovens, com exceções, que parecem munidos de terror, parcimônia , oficialidade, ou autossuficiência, sob a égide da tão falsa imparcialidade (nada é imparcial, tudo é julgamento, tudo entra numa sentença, até o trauma familiar, a felicidade ou a dor de dentes, ou o tombo na esquina), embora a paciência dos postulantes não envelheça. Curiosamente falar com alguém de instância superior mostra-se mais fácil , cortês, civilizado, com um desembargador ou ministro do Supremo, por exemplo, que possuem, em regra, certa simplicidade conquistada, sem temor ou tremor de argumentos, segurando, em regra, o bom direito.

Essa desumanidade, ainda bem, não existe no interior dos estados, menos ainda com a ocorrência dos júris populares, onde defensor e Ministério Público litigam diante de enorme assistência.

A tal de digitação que considero infame, que avança por todas as instâncias, mormente no Plenário Excelso, não foi inventada apenas para acelerar a Justiça, que continua inefavelmente morosa; foi, sobretudo, criada para afastar o advogado da pessoa dos julgadores, colocando-os, ainda que não o queiram, numa esfera celestial, ausente ou abstrata das coisas humanas.
 
Digita-se o pedido, digitam-se as provas, digita-se a contestação, digita-se o argumento, digita-se o direito, digita-se o recurso, digita-se a paciência ou impaciência, digita-se a indignação, digita-se a lentidão do tempo, digita-se a obstinação de recolher exame de contendas, digita-se o medo do prejuízo ou dano iminente, mas não se digita o imprescindível rosto humano, como se fosse algo execrável . Nem há proximidade, nem respiração de um ser a outro, querendo que os julgadores de superior instância se escondam no Olimpo ( não posso crer que seja iniciativa deles, tão cordiais e afáveis) e, vez e outra, voltem o semblante aos pobres mortais , sedentos de justiça. Quando não ocorre — sob pretexto de velocidade, procrastinação ainda maior da decisão dos feitos, alongando-se, com as estações e os anos, salvo quando forem casos de repercussão e mídia. Se a estátua da Justiça já era cega, agora é totalmente surda e muda . Com a dita modernidade , longe dos rostos e das vozes, parece estar enterrada, salvo melhor juízo, nos subúrbios da história.
 
Essa digitação que avança, com o verniz do progresso, não passa de um constante desumanizar do Direito, levado até ao absurdo, com números e senhas (verdadeira proeza é conseguir inserir-se nesta kafkiana burocracia). Ora, quanto mais distantes ficarem os magistrados, mais distantes estarão os advogados, mais a computação de signos, como "máquina infernal" conduzirá para longe o conflito dos homens, a sensibilidade dos processos, a virtude da fala dita e ressoada, a paixão da defesa, o entusiasmo do raciocínio oralmente bem exposto, a eloquência dos antigos ( porque até a sustentação desaparecerá), decidindo os julgadores, sozinhos ou auxiliados, nas salas de gabinete, entre as nuvens e o constelar Armamento. Diz Montaigne que "as almas dos imperadores e dos sapateiros são fundidas no mesmo molde". Mas não, agora, a alma dos imperadores da justiça, os eminentes ministros, sei que até contra a vontade de alguns deles, humanistas, vai ficando de outro molde , sob as vestes inconsúteis das tão jurídicas senhas .E o nosso mais alto Judiciário, residindo em Brasília, cidade construída para restar alienada do resto do país, apoiada nessa crescente e modernosa digitação, tende a gerar outra Brasília, a da alma, onde nada mais alcança, nem o paroxismo, a clarividência , ou o rumor de uma lágrima .

O Globo, 25/7/2011