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O ‘impeachment’ à beira do torpor

 

As primeiras manifestações depois de deflagrado o processo de impeachment mostram um anticlímax às expectativas do Vem Pra Rua, frente ao Fora Collor ou, mais ainda, à Marcha dos 100 Mil. Mas não há como subestimar o clima generalizado de insatisfação pública, diante do qual a deposição de Dilma pode significar uma virada de página, atendendo a um mal-estar institucional generalizado. Atente-se, entretanto, que o governo tem garantido absoluta liberdade de expressão e o imediato desaguar de todo protesto coletivo. 

As eventuais mobilizações, por outro lado, indicam um confronto simétrico em que a manifestação petista, a partir da programação da CUT e de forças aliadas, mostra um clima totalmente distinto do unilateralismo das idas à rua dos últimos anos. O que está em causa é a maturação democrática do país, marcada pela consciência de uma tramitação legal consoante a Carta Magna. A vinda à praça traduz um reflexo obsoleto das ditas insatisfações populares com um status quo abusivo do sistema. E desponta, para ficar, a defesa do estado de direito como exigência da dita ordem pública. 

O protesto vai obedecer, a partir das oposições, a uma programação diferente de todo espontaneísmo na invasão dos lugares públicos. Por outro lado, com a carta de Temer, desapareceu o desempenho do situacionismo como um todo no Planalto. Só se reforçou, contra Dilma, a pressuposição da ambiguidade do vice, atentíssimo ao peso das forças em confronto. Mais ainda, em termos de abate do atual jogo de poder, a prioridade assumida pela cassação de Cunha pode descomprimir a opinião pública, frente aos espetáculos em série deflagrados pela operação Lava-Jato. 

Os ataques a Dilma não atingem, ao que se vê, a massa do eleitorado petista. O dito “povo de Lula”, beneficiado pela saída definitiva da marginalidade social, mantém a consciência fundadora de sua ação política. Em vão, esses 40 milhões de brasileiros vão ser atingidos pelas instâncias moralistas das classes médias ou do Brasil de sempre. Pelo contrário, permanece uma mitologia fundadora em que a identidade com o ex-presidente é a do próprio quefazer político em que se reconhecem.    

Jornal do Commercio (RJ), 18/12/2015