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O encontro com o livro pode ser uma festa

 

“O clima é descontraído, há música, há lugares para comer (a nutrição espiritual funciona muito melhor quando se acompanha da nutrição física)”


Neste fim de semana, está abrindo a Feira do Livro de Porto Alegre, evento tradicional da capital gaúcha, que chega triunfante à sua 52ª edição: não só é a feira de livros de mais longa, e contínua, duração no país, como tem repercussão nacional e internacional, atraindo escritores de vários países. E serve para mostrar a importância de eventos desse tipo na promoção do hábito de leitura. Feira de livro é uma coisa que funciona. Funciona porque se trata de livro, obviamente – afinal, o livro continua a ser um respeitado e prático veículo de difusão do texto escrito – e funciona porque é feira.


 


A feira é um evento muito antigo na história da humanidade. Referências a respeito aparecem já no Antigo Testamento; o profeta Ezequiel descreve a cidade de Tiro como um importante lugar de feiras. Que não eram eventos exclusivamente comerciais; a palavra latina feria (de onde vem feriado) tinha conotação religiosa. As pessoas se reuniam para orar ou para celebrar e, é claro, nessas ocasiões os comerciantes aproveitavam para vender seus produtos. No século 19, feiras e exposições adquiriram dimensões gigantescas e realizavam-se em cidades famosas, Paris, Berlim, Nova York. A Feira do Livro de Frankfurt começou há mais de 500 anos, logo depois que Gutemberg inventou os tipos móveis. É uma feira enorme, com cerca de 7 mil estandes, realizando 3 mil eventos e recebendo mais de 300 mil visitantes de fora. Mas a Feira de Frankfurt é uma atividade comercial, não dirigida para o público geral como o são as nossas feiras.



É um encontro importante, este. Inclusive, e principalmente, do ponto de vista emocional. Por sua própria natureza, o livro é, para as pessoas que com ele não estão familiarizadas, um objeto intimidante. É um símbolo do conhecimento, da sabedoria, o que impõe respeito, mas também temor. Observem alguém, que não seja um leitor habitual, entrando numa livraria. Essa pessoa claramente não está à vontade; tem até medo de falar com o vendedor, medo de dizer alguma bobagem, de pronunciar errado o nome de um autor.



Na feira do livro as coisas são bem diferentes. Em primeiro lugar, pelo próprio cenário. Feiras de livro, como é o caso em Porto Alegre, freqüentemente são realizadas ao ar livre, em espaço aberto: numa praça, por exemplo, que é o próprio espaço da informalidade. Em segundo lugar, feira é festa. O clima é descontraído, há música, há lugares para comer (a nutrição espiritual funciona muito melhor quando se acompanha da nutrição física). Os leitores podem encontrar amigos, podem encontrar os autores, conversar com eles.



E com isso voltamos ao espírito das feiras, que são lugares de troca. Não apenas troca de mercadorias por dinheiro, mas troca emocional. O que é, afinal, o grande objetivo da literatura. O livro transmite conhecimento, sabedoria? Sim. Mas, ao menos no caso da ficção, faz isso através da emoção e, podemos acrescentar, do prazer. Exatamente como a feira. É por isso que as feiras, inclusive as de livro, atravessam os séculos: elas correspondem a uma necessidade básica do ser humano. Grande invenção, a feira. Tão grande como o invento de Gutemberg.


 


Correio Braziliense (Brasília) 27/10/2006

Correio Braziliense (Brasília), 27/10/2006