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O ano de Machado

 

Estamos no ano de centenário da morte de Machado de Assis (1839-1908). O programa de comemorações abrange praticamente todos os setores, de conferências em várias partes da cidade a lançamentos de livros de e sobre Machado, eventos de rua, com teatros municipais apresentando peças de Machado, reedições da obra machadiana.


O livro clássico, e o primeiro a sair após a morte do autor, Machado de Assis - Curso Literário em Sete Conferências na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo de Alfredo Pujol, Imprensa Oficial de São Paulo - Versão em livro de conferências proferidas originalmente em 1917 - já teve reedição no ano passado, feita pela Academia Brasileira de Letras.


A Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis, situada em Botafogo, promoverá uma série de quatro conferências, a partir de julho próximo, e sessões de leituras machadianas ocorrerão nos demais equipamentos municipais.


Dos livros a serem reeditados, citam-se os de "Toda poesia de Machado de Assis", organização de Cláudio Murilo da Editora Record, "Machado de Assis - O romance com pessoas", de José Luiz Passos, da Edusp/Nankin, "Almanaque Machado de Assis" e "Recontando Machado", de Luiz Antonio Aguiar, ambos pela Editora Record, "Vida e obra de Machado de Assis", de R. Magalhães Jr., da Editora Record - Reedição da biografia em quatro volumes: "Aprendizado", "Ascensão", "Maturidade" e "Apogeu" entre outros. Já foram lançados no ano de 2007: "Brás Cubas em três versões", de Alfredo Bosi, pela Companhia das Letras, "Três vezes Machado de Assis", de Ubiratan Machado, pelo Ateliê.


Prevê-se ainda o lançamento de livro de cordel, de Chico Salles, com agenda a ser montada, na Academia Brasileira de Letras, na Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis em Botafogo, Escola Municipal Machado de Assis em Santa Teresa, Academia Brasileira de Literatura de Cordel, abertura do projeto "Paixão de ler" e no Centro de Tradições Nordestinas na Praça dos Violeiros.


A Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis, situada em Botafogo (quase em frente ao Palácio Guanabara) é das melhores da cidade. Será reinaugurada em julho próximo, com o novo auditório e uma conferência a cargo do autor destas linhas. De então até o fim do ano, outros conferencistas ali falarão. A lista será divulgada no dia da reinauguração.


Na minha conferência, sob o título de "Machado de Assis e seus personagens", falarei sobre as figuras que Machado criou, de Brás Cubas a Capitu, passando por Quincas Borba, talvez o mais trágico de seu mundo. Tratarei também de personagens de alguns de seus contos. No caso de Capitu, contarei de minha experiência nos Estados Unidos quando eu era professor visitante na Universidade de Colúmbia e meu amigo William Grossman, professor na Universidade de Nova York, onde criara uma Cátedra Machado de Assis, me telefonou com um convite.


Queria que eu fosse assistir a uma de suas aulas. Explicou-me: "Vamos julgar Capitu". Antes de eu me espantar, ele explicou: "Saiu uma boa edição de `Dom Casmurro' nos Estados Unidos. Todos os meus alunos leram o livro. Resolvi fazer um julgamento, com promotores, defensores e tudo para julgar Capitu. Ela traiu ou não?" Respondi ao convite: "Você acha que eu vou perder um espetáculo desses?"


O julgamento foi uma bela reunião. Os defensores deram suas razões em favor de Capitu, que não teria traído. Outros concordaram com a traição. Os jurados eram em número de 12, que é o normal na Justiça americana, mas combinou-se de o resultado ser por maioria e não por unanimidade, como é normal por lá. Para surpresa de muitos e aplausos de alguns, Capitu foi absolvida. Teve oito votos a favor e quatro contra.


O argumento maior dos defensores de Capitu foi de que, em nenhum momento, o autor, isto é, o próprio Machado, insinuou que ela tenha sido infiel. Quem não pensa em outra coisa é o marido, que alimenta a própria certeza com lembranças de um ato e de outro, com a aparência e os modos do filho, de quem se vai afastando ao ponto de praticamente expulsar mãe e filho de casa, de os mandar ao estrangeiro, onde morrem. Este julgamento acabou tendo repercussão em outras universidades: quando estive, mais tarde, em Los Angeles e São Francisco, para falar sobre Machado, alunos e professores locais fizeram perguntas sobre o julgamento de Nova York.


Antes de minha conferência na Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis, será divulgada a lista de outros quatro conferencistas que ali falarão antes do fim do ano sobre Machado de Assis. Haverá também em novembro a "Paixão de Ler", inteiramente dedicada a Machado de Assis, com sua obra divulgada nas ruas, nas barcas, nas estações da Central e do Metrô, numa exaltação àquele menino, moleque e mestiço que nos ensinou o que é Brasil.


Acabou de sair a edição de "Dom Casmurro", de Machado de Assis, na Coleção Folha Grandes Escritores Brasileiros, com foto de capa de Marc Ferrez/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles. O Instituto Moreira Salles lançará na Flip uma edição dos "Cadernos de literatura brasileira" dedicada a Machado, bem como uma iconografia do escritor.


Tribuna da Imprensa (RJ) 4/3/2008