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Nota, corda e tom

 

Entre notas e entrevistas recentes, ficou no ar a frase do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, advertindo o outro lado a não esticar a corda.

O problema de dividir a gente brasileira em dois lados é que todos passamos automaticamente a ser o outro lado para alguém. Então há uns 70% achando que quem estica corda é o lado do governo. Mas não vou discutir lados, estou farta disso. Acho que temos é que caminhar lado a lado pela democracia no Brasil. Prefiro refletir sobre a corda. E sobre a necessidade de esticá-la. O tom de advertência do ministro é de quem vê corda como um cabo de guerra, puxado com força até rebentar ou derrubar gente. Mesmo essa, se não for esticada, não permite brincadeira.

Mas há outras. De paz. Corda bamba da esperança equilibrista, por exemplo. Se não for esticada, o tombo é fatal, e o abismo espreita.

Há corda de todo tipo. De enforcado, em cuja casa não se deve falar. Corda de amarrar. De dar corda para que as coisas andem. De fazer despertador acordar pessoas. Mas para a maioria da gente comum na nossa cultura, este soft power que pulsa em nós, as cordas que contam são as que recordam nossa música, de outras notas e outros tons. Cordas de concórdia e de estar de acordo, não de amarrar e prender. As cordas do meu violão que só o amor procurou. Com essas aprendemos que é preciso esticar, sim senhor. Não demais, que rebentam com a tensão exagerada. Mas se estiverem frouxas não há música, pois sem esticar para afinar não há acordes em harmonia.

Também no país, as instituições, a imprensa e a cultura não podem deixar corda solta. Precisam esticar. Apertar na medida justa. Sem passar pano nem agredir mas sem cair no afrouxar geral, de vista grossa ao que não pode ser ignorado nem endossado.

Samba de uma nota só era apenas brincadeira de Tom Jobim. Outras notas devem entrar. Sempre. Democracia pede todas as notas e acordes, todos os tons, cores, ritmos, vozes e palavras. E cordas esticadas. Bem justinhas e firmes.

O Globo, 06/07/2020