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Nosso eterno amigo, o livro

 

O semiólogo italiano Umberto Eco afirmou certa feita que o livro, "depois de ser inventado, vai-nos acompanhar por muito tempo". Penso, entretanto, que essa companhia será para sempre, pois, assim como a televisão não fez desaparecer o rádio, nem o cinema impediu que o teatro continuasse a ser arte tão antiga quanto admirada, a cultura digital não eliminará o livro.


À medida que se prestigia, nas últimas décadas, a educação - algo fundamental para elevar a condição de vida do nosso povo e promover o correto e justo processo de desenvolvimento do país - abre-se espaço, ao lado da cultura digital, para a continuada difusão da cultura letrada e para o aparecimento de pensadores, filósofos, cientistas e poetas, indispensáveis para que brotem novos leitores e escritores.


Conquanto ainda haja um percentual expressivo de analfabetos em nosso país, cabe registrar que, nas últimas décadas, o hábito da leitura tem crescido entre nós. Conforme revelou recente pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, o brasileiro lê, em média, 1,8 livro por ano - obviamente um número modesto se compararmos com a França, onde o índice é de 7, ou a Colômbia, país vizinho ao nosso, com 2,4 livros lidos por ano.


Para isso, muito têm ensejado iniciativas governamentais e de instituições privadas, visando a estimular a leitura e a reflexão a respeito de tudo que é humano. Como ministro da Educação, em meados da década de 80, empreendi, por intermédio da criação do Programa Nacional do Livro Didático (Prodeli), ações para aumentar a oferta de livros aos estudantes da rede pública - da União, Estados e municípios - por entender que essa seria uma forma de não somente ajudar o aluno a educar-se, mas também fazer desabrochar novas vocações e concorrer para o aggiornamento cultural e intelectual da sociedade brasileira. Infelizmente, observe-se, ainda é pequena a quantidade de bibliotecas, sobretudo nas regiões mais pobres do país.


A publicação de livros está ligada também ao fortalecimento da democracia, especialmente a liberdade de expressão. Em tempos não remotos, livros, jornais e enciclopédias eram assunto de polícia e da censura, que ainda sobrevive em vários países e é o pior dos instrumentos que a liberdade de pensamento e manifestação tem de vencer.


Recorde-se a famosa Carta histórica e política endereçada a um magistrado, de Denis Diderot, talvez o principal responsável pela primeira enciclopédia do mundo. O magistrado a quem Diderot se referia era Antoine Gabriel de Sartine, na época, ajudante-geral de Polícia da Cidade de Paris, cargo que exercia cumulativamente com o de diretor de imprensa, encarregado da censura dos jornais.


O livro, ademais, é de fundamental importância para a "vertebração" de nossa identidade. Esta, aliás, é antes um desejo do que uma necessidade, pois não podemos deixar de reconhecer que ela é moldada pelo perpassar do tempo. O Brasil, nação ainda jovem, já ostenta, contudo, forte "instinto de nacionalidade", como definiu Machado de Assis, ao observar há mais de 100 anos: "Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço".


Ao Brasil se credita, embora persistam ignominiosos índices de desigualdade social e econômica, um notável melting pot, miscigenação que poucos países possuem, mormente se consideramos a nossa extensão territorial e a grande dimensão demográfica. A busca da identidade, por se tratar de um processo que se tece ao longo do tempo, é endógena e não há tampouco lei ou critério estabelecido que a conceitue "nessa estranha máquina que se chama mundo", como diria Camões.


Sabemos igualmente que o livro, instrumento ancilar do desenvolvimento cultural de um país, ajuda a preservar a memória nacional, a suscitar idéias para a solução de nossos problemas e a direcionar o itinerário da nacionalidade com relação ao futuro. Como disse o poeta John Milton, um dos maiores vultos da literatura universal, "os livros são tão vivos quanto os seres humanos". E mais: "Vetada a circulação de um livro... o que morre não é simplesmente a expressão de idéias individuais... mas todo o valor atemporal e perene, da razão".


Jornal do Brasil (RJ) 21/6/2007