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Nossa Carta e os direitos do futuro

 

Nas últimas conversações sobre o G20, na Austrália, as Nações Unidas interrogaram-se sobre um modelo universal de Constituição que definisse o estado de direito e o reconhecimento da democracia no futuro que ora se abre. Significativamente, vários dos nossos institutos da Carta de 1988 estão sendo assinalados como que importantes, à época, para virar, de vez, toda a página de um regime ditatorial. De saída, com a criação do habeas data, ao lado do habeas corpus, a permitir a todo cidadão a devassa dos arquivos nos quais se constituía o tenebroso sistema do Serviço Nacional de Informação, e a vigília de possíveis suspeitos ao governo. Derrubava-se, assim, o regime das liberdades vigiadas, e da arbitrária suspeição dos cidadãos, à margem de qualquer direito ao contraditório.

Nossa Carta de 1988 acolheu a proposta da Comissão Arinos, da regulação, também, do chamado direito de resposta a toda violação de imagem. Vivíamos, no regime de agressão e das denúncias gratuitas, na onipotência da ditadura midiática. A Carta foi explícita em determinar o direito de réplica na urgência e nas proporções do agravo. Eliminou-se a clássica atitude de revidar em espaços minúsculos perdidos entre as páginas da publicação.

A mesma Comissão Arinos propôs o direito à “morte digna” e à eutanásia, que, finalmente, os constituintes não acolheram. Avançou, também, no quadro dos direitos de propriedade, no preceito da indenização em títulos da dívida pública, quando se tratasse de reforma agrária ou urbana. Noutra grande abertura, e já no campo social, eliminou-se toda ideia de que a oferta de educação seria a da concessão de um serviço público, garantindo a sua prestação originária pela própria sociedade civil. Já na clara admissão do Welfare State, a Carta reconhece todo âmbito dos direitos difusos e, nele, insiste na qualidade de vida e no amparo explícito à velhice.

Na ambição maior, talvez, de toda a proposta, emergia, como principal garantia daquele mesmo estado de direito, a certeza de que todo o aparelho normativo enunciado nos seus preceitos, na Carta, se tornasse realidade. Superava-se o temor de poderem permanecer como letra morta, sem passar à sua vigência. Acolheu-se, pois, o mandado de injunção, que permite a todo cidadão a iniciativa judiciária para a pronta fatura da lei, garantindo se o estado de direito, saído do seu limbo utópico.

No remate, talvez, dessa sua prospectiva, passado já um quarto de século, os preceitos de 1988, depararam a inédita regressão histórica que representa a aparição do Estado Islâmico e seu califado, a pedir uma cooperação internacional para o seu extermínio. A atual presidência alinha-se, nesta convocação, pelos preceitos explícitos da Carta, que determinam o combate explicito ao terrorismo, mas, ao mesmo tempo, impedem o recurso à violência. Nem foi outra a nossa posição nestas semanas, quando o Itamaraty propôs a negociação, in extremis, com o aberrante califado. Mas fomos adiante, em nova virada de página, no reconhecimento de que todo estado de direito pode superar a sua própria norma, no que nos convoque, no quadro das Nações Unidas, a consciência da humanidade de nossos dias.

Jornal do Commercio (RJ), 21/11/2014