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No Brasil ainda tem gente da minha cor?

 

Finalizando o período da exposição de minha coleção africana no Sesc Madureira, "África - Arte do tempo", lançaremos o livro "No Brasil ainda tem gente da minha cor?, de Zora Seljan, no dia 28 de março. Sua primeira edição foi realizada pela Prefeitura da Cidade de Salvador, Bahia, e lançada em julho de 1978, em comemoração aos "90 anos da Abolição" e aos festejos da "Independência da Bahia".


As esculturas que fomos reunindo, em viagens por toda a África Ocidental, estão hoje no Rio de Janeiro. Algumas delas fazem parte da mostra que o Sesc-Rio está realizando, como por exemplo, algumas peças das chamadas "máscaras Gueledê", oriundas de Idigny, pequena aldeia ao Norte de Keto, no Benin.


O escultor dessas maravilhosas máscaras se chamava Simplice Ajaiy, um dos grandes artistas com quem conversei na minha vida. Explicou-me de que modo escolhia seu pedaço de madeira, de que modo imaginava as figuras que iria esculpir na cabeça de cada máscara.


Até hoje tenho na memória a imagem de Simplice Ajaiy no gesto de enfileirar deuses sobre o chão africano. Deuses que vieram comigo e com Zora para o Brasil e que já foram mostradas no Sesc-Rio do Flamengo, estando até o dia 30 de março no Sesc-Madureira, como parte de um ato reverencial à presença da África em nossa cultura e em nosso dia-a-dia. Entre as atividades de encerramento contaremos com o seminário "Encontros com Olinto", que se iniciará no dia 26.


No dia 27, haverá mesa-redonda com o tema "Estética e movimentos sociais", sob a coordenação de Raul Lody e participação de integrantes do Jongo da Serrinha, Agbara Dudu, Granes Quilombo, Ong Estimativa, Festa de Iemanjá/ Mercadão de Madureira, Associação de Baianas Flor Beijada e do professor e pesquisador da arte afrobrasileira da Uerj Roberto Conduru.


No prefácio que fiz para este livro, com texto que está vinculado também a esta edição, disse o essencial sobre ele. Já lá se vão trinta anos. Relendo-o agora, renovo minha admiração pelo belo, claro e novidadeiro estilo com que Zora o escreveu. Também, pudera, fê-lo com o amor e a vivência direta daquele tempo intenso que passamos na África Ocidental, entre a Nigéria, o Daomei (hoje Benin), a região do Abomei, e o Togo, com viagens à Costa do Marfim, ao Senegal, a Angola e, na Costa do Pacífico, Moçambique. De lá saí com três romances, um livro de memórias e uma filosofia africana da natureza que nunca abandonei.


Diante destas páginas de Zora, revivo o quanto fomos felizes na África e de que maneira mais ampla e sólida passamos a defender a existência de sociedades multirraciais como base de uma comunidade justa. Por causa da pergunta de Romana a Zora, como estava próximo o fim de meu tempo de Adido Cultural, fiquei pensando em quem seria melhor para prosseguir no meu trabalho na Nigéria. Lembrei-me logo de Ademar Ferreira da Silva. Era campeão olímpico de salto tríplice, advogado, falava inglês e era negro, numa resposta à pergunta clara de Romana: "No Brasil ainda tem gente da minha cor?".


Vindo ao Brasil em férias, resolvi apresentar minha idéia ao próprio presidente da República, João Goulart, o que, em tempos democráticos, não era impossível. Eu conhecia em Brasília um jornalista que trabalhava no setor de Imprensa da Presidência. A ele, pedi um encontro sem protocolo, isto é, eu ficaria na sala dele, jornalista, e, num momento em que isto fosse possível, ele me levaria ao presidente, a quem eu daria minha idéia por escrito, e tudo.


Foi o que aconteceu. O presidente ouviu-me, leu o papel e perguntou: "Ele fala inglês?", "Fala". No final, disse: "Vamos ver". E guardou o papel. Dois meses depois, os jornais davam a escolha de Ademar para me substituir. Assim, uma pergunta de Romana da Conceição a Zora levou Ademar Ferreira da Silva para a Nigéria como Adido Cultural.


"No Brasil ainda tem gente da minha cor?", de Zora Seljan , sai sob a égide do Sesc-Rio e do Instituto Cultural Antonio Olinto, com projeto gráfico e capa de Gisela Abad, fotografia da capa Coleção Antonio Olinto - Nigéria, digitação e revisão de Beth Almeida, pré-impressão e acabamento de Edil Artes Gráficas.


Tribuna da Imprensa (RJ) 25/3/2008