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A lucidez inconformada de Otto Lara Resende

 

Nascido a 1º de maio de 1922, em São João del Rey, em Minas Gerais, e falecido a 28 de dezembro de 1992, no Rio, Otto Lara Resende foi um dos Quatro Mineiros do Apocalipse, na companhia de Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Formou-se em direito, foi adido cultural das embaixadas do Brasil em Bruxelas e em Lisboa, elegeu-se para a cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, na qual sucedeu a Elmano Cardim, sendo sucedido por Roberto Marinho e pelo atual ocupante, o senador Marco Maciel.


Cronista, jornalista, contista e romancista, mas sobretudo um autor de frases inesquecíveis, Otto teve uma vasta bibliografia: O lado humano (contos), 1952; Boca do inferno (contos), 1957; O retrato na gaveta (contos), 1962; O braço direito (romance), 1964; A cilada (contos), 1965; Memórias (biografia), 1970; As pompas do mundo (contos), 1975; O elo partido e outras histórias (contos), 1992; Bom dia para nascer (crônicas), 1993; e A testemunha silenciosa (novela), 1995.


Foi um escritor primoroso e captador das coisas, sem desvios, de estilo limpo e direto, que o inibia, com a mania de tanto ''penteá-lo'', e que acabava por arrancar, torturadamente, os ''cabelos'' da escrita.


A demasiada lucidez foi-lhe, até certo ponto, abolidora. Em O braço direito, guarda a aridez de uma tragédia na trivialidade. Deixou frases lapidares, uma espécie de Oscar Wilde brasileiro, gastando mais o gênio na vida do que na arte. Não quis ser um Voltaire contemporâneo, apesar de possuir condições para tanto. Mas foi impedido por sua formação católica, apostólica e romana e sua discrição, mais machadiana do que mineira.


Nascido para incendiário, o bom senso o venceu, para contentar-se em ser bombeiro dos meridianos, ou dos diários acontecidos, à semelhança de Cyro dos Anjos. Tinha uma demasiada inteligência, que mais corta do que constrói e que mais dilacera do que ilumina. Provém daí a sua comovida admiração pelo dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, que por sua vez era ferozmente genial.


Muitas vezes, Otto foi salvo, providencialmente, pelo cotidiano, que não carece de posar nem ser urgentemente brilhante.


Como eminente ético, o ficcionista nunca abandona o ser moral. Todavia, borgeanamente, narra a fábula, evitando explicá-la. A afinidade eletiva com André Maurois e, sobretudo, com François Mauriac, o autor de O fim da noite, sintetizou a visão dos componentes de Os Quatro Cavaleiros do Apocallipse, no caso, de Otto Lara Resende, o autor dos contos de Pompa do mundo e da novela Testemunha silenciosa.


Lê-se em Mauriac: ''O tempo, que termina com todo o amor, acaba mais lentamente com o ódio; porém, triunfa também sobre ele''.


Moralista sem querer, com a sutileza mais de quem sugere, lanterna bruxuleante entre contornos ou algumas sombras mais obscuras, o autor respeita a inteligência do leitor, atraída pela inteligência de quem escreve. Ou de quem ajuda a contemplar melhor a realidade.


Seus contos se inserem num rigor de enunciação, embora o cosmos se amplie, ilimitadamente.


A marca do jornalista sempre acompanhou Otto Lara Resende, com o vinco da verdade, mesmo que dissesse não ''ligar'' para o documento. Ligava para o fato, por ter em si a inteligência da verdade, a que se impõe, vivendo, que não é a convicção, que não é inventável, mas que é a fonte do caminho, como a luz que não deixa de ser luz, ainda que mudemos o seu nome.


A guerra é a da fragmentação do texto, essa dicotomia entre o ficcionista Otto, inventor, e o jornalista, também Otto, catador da verdade.


Nele, muito menos aforista na ficção do que na vida, o que eleva e dignifica é a sua lucidez sempre inconformada.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 28/09/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 28/09/2005