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Liberdade, cultura e política

 

“Nada mais público do que o ato de escrever". A consagrada sentença, em discurso na Academia Brasileira de Letras, é de autoria do ensaísta e crítico literário Adonias Filho. Ela serve para demonstrar a relevância do intelectual, que é “um microcromo” - como sintetizou Ortega y Gasset em “Mirabeau, o Político” - na construção das diferentes visões do mundo e de outros novos. Ele amplia o território da liberdade que o gênio cervantino percebeu como “o maior bem que os céus deram aos homens” e tece o território da cultura ao exercitar sua capacidade criativa nessa, camonianamente falando, “estranha máquina que se chama mundo”.


A plena circulação das idéias é imprescindível ao convívio humano, vez que a literatura não pode conviver com fronteiras, pois o intercâmbio literário deve permanecer desimpedido. A cultura concorre igualmente para inibir o dogmatismo - geralmente insidioso e não menos temível – e estabelecer uma atitude dialógica entre os mais diferentes atores de todos os meridianos ideológicos e políticos. A cultura não possui a capacidade de obrigar, conquanto favoreça a opção do pluralismo, por definição, inclusivo, que fez Norberto Bobbio cunhar como conduta existencial a legenda “nem com eles, nem sem eles”.


É, portanto, graças à liberdade que enseja o diálogo e se completa em autêntico pluralismo, o qual, porém, não pode ser entendido como renúncia da opinião de cada um, antes como manifestação de suas idéias sem prejuízo da diversidade das concepções.


Diversamente do que ocorre no terreno da literatura, na política a tendência muitas vezes é a de persistir naquilo que nos separa, e nunca no que nos une, conquanto seja a política arte que deva não conviver com a rigidez e perseguir, desde priscas eras, solução de compromisso. Deve-se, assim, buscar sempre evitar condutas marcadas por posições irredutíveis, por meio de atitudes que levem às fórmulas de entendimento.


Enfim, cabe procurar, entre o que nos separa, aquilo que pode nos unir, porque, se queremos viver na divergência, que é princípio vital da democracia, estamos condenados a nos entender. A propósito, é oportuno citar a frase de Norberto Bobbio de que, se “a política divide, a cultura une” - e esta é a atividade que abriga a todos nós.


Retomo a frase de Adonias Filho para enfatizar ser escrever um ofício republicano a que não pode faltar provisão de sal da terra e de luz do mundo, para pensar a circunstância e a sanidade do País e das instituições. Enfim, escritores e homens de Estado albergam na diversidade de dons e respectivos misteres um denso e intenso “instinto de nacionalidade”, como assim batizou Machado de Assis, que não é outro senão o sentimento que os convertem em entes coletivos empenhados no fortalecimento das entidades republicanas, malgrado estas estejam a exigir uma refundação que restaure valores erodidos nos últimos tempos.


Folha de Pernambuco (PE) 14/8/2007