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Lerdeza fatal

 

Mário Henrique Simonsen ensinou que o sistema social menos imperfeito é o que sabe corrigir mais rápido seus erros. Chamava a atenção para um aspecto novo no mundo, lá nos anos 1970: não mais o grande a engolir o pequeno, mas o veloz a devorar o lerdo.

A pandemia escancara como viemos perdendo tempo pelos anos afora e mantendo esta desigualdade escandalosa. Nas reformas estruturais, por exemplo. Sempre adiadas e combatidas por corporativismos que impedem seu alcance na redistribuição de oportunidades. A eleitoral e a tributária empacaram. As que foram aprovadas, tímidas, sofreram com espertalhões garantidores de privilégios e enxertadores de jabutis.

Podíamos ter distribuído a prosperidade quando crescíamos. Agora a urgência do vírus exibe o abismo social acintoso. É inaceitável manter isenção fiscal para igrejas e empresários selecionados. Hipersalários para superfuncionários. Ou tolerar a inadimplência de ocupantes de imóveis da União (que chega a quase um bilhão de reais).

Somos o país dos cartórios mas o número de gente invisível e mal documentada se revela assustador. Sem comprovar o voto obrigatório, o CPF emperra. Como evitar fraude e ao mesmo tempo distribuir o auxílio emergencial que, num esforço incrível, se tenta fazer chegar a quem precisa? Como ser eficaz?

Engenheiros, cientistas e técnicos criam equipamentos e aplicativos para salvar vidas, em tempo recorde. Mas o governo nega recursos, combate a ciência e as universidades.

Evidencia-se que nossa democracia não desenvolveu mecanismos ágeis para correção célere de condutas predatórias de presidente. Sem freios, ele desafia recomendações sanitárias, agride a imprensa, incentiva desmatamento e invasão de terras indígenas. Tenta confundir militantes e milicianos com militares, constrangendo estes. Mas vamos empurrando o limite com a barriga. Fica para consertar depois. Será irreparável, se o mal estiver feito. Seguimos devagar, quase parando. Só a pandemia acelera e nos adverte que inércia pode ser fatal.

O Globo, 11/05/2020