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Humanismo integral

 

''Grande homem de nossos tempos, um mestre na arte de pensar, viver e de orar'', assim, sucinta e expressivamente, definiu o Papa Paulo VI a personalidade de Jacques Maritain - filósofo, teólogo e homem público - cujo centenário de adesão ao catolicismo, por inspiração do escritor Léon Bloy, é celebrado neste ano.


Fazer memória de seu legado é refletir sobre temas que caracterizam a atualidade de sua obra com reverberações no campo político, conforme atesta o padre e professor da UnB José Carlos Brandi Aleixo ao afirmar que o estudo da vida e da obra de Jacques Maritain demonstra que ele se coloca entre os filósofos que mais contribuíram para o entendimento, conscientização, divulgação e fundamentação de sólida teoria dos direitos humanos, assim como para o surgimento e crescimento de vocações políticas comprometidas com esta nobre causa.


Continuador da obra de Santo Tomás de Aquino, ao formular seu neotomismo essencialista, enfrentou acatados mestres analisando e contestando-lhes os conceitos e, sobretudo, as conclusões que deles derivavam, mostrando o drama que um humanismo egocêntrico estava acarretando para a sociedade de nossos tempos.


Amigo de personalidades como León Bloy, Charles Péguy, Emmanuel Mounier e posteriormente de Charles de Foucauld, este recentemente beatificado por Bento XVI, Maritain lançou em 1927 seu primeiro livro sobre política, intitulado Primado do espiritual, onde contesta as idéias de Charles Maurras, o qual, mediante o movimento intitulado ''Ação Francesa'', propagava, ao lado do agnosticismo, um nacionalismo radical.


Suas reflexões levaram-no, posteriormente, à sua obra-síntese, o Humanismo integral, publicada em 1936, um projeto político que ele desvenda como sendo o despertar da consciência cristã face a face com os problemas temporais, sociais e políticos.


Seu humanismo integral, destarte, propugna a construção de uma nova cristandade, não mais ''sagrada'', porém laica, objetivando a construção de um ideal histórico concreto. Como o essencial ao bem comum ''é respeitar e servir os bens supratemporais da pessoa humana, a cujo serviço deve estar, a sociedade política terrena não tem como fim levar a pessoa humana à sua perfeição espiritual'', mas a ''desenvolver condições que levem a coletividade a um grau de vida material, intelectual e moral conveniente para o bem e a paz do todo''. E, dessa forma, a cidade temporal terrena pode e deve ligar-se nas diferentes regiões do mundo, não de maneira unívoca mas análoga.


O exercício da política, como corolário, não pode ser um fim, antes um instrumento de transformação, reclamadas especialmente nas sociedades como a nossa, em que a democracia ainda não lançou raízes profundas no tecido social e exige a consolidação e o continuado aperfeiçoamento das instituições, para que sejam capazes de responder às exigências da governabilidade. Pois cidadania é sinônimo de participação social, direito e dever; cidadania representa não apenas o conjunto de direitos para uns e deveres para outros, mas - e igualmente - direitos e deveres para todos.


Péricles, em oração sobre a guerra de Peloponeso, hino onde se formulam os fundamentos básicos da democracia, entendia que o discurso não prejudicava a ação; o que lhe parecia prejudicial era que as partes não se esclarecessem pela discussão. Daí considerar fundamental sua cidade ser governada pela intervenção pessoal de todos os cidadãos, anatematizando ao mesmo tempo a quem não partilhava dessa obrigação cívica, como pessoa indiferente à sociedade e à República.


O testemunho de Jacques Maritain, seu pensamento, conduta e ação missionária conduz nosso olhar acima do horizonte das preferências pessoais, das opções partidárias e das divergências ideológicas para que se possa tomar a atividade política como paradigma, inspiração e prática capazes de ir além do possível e buscar alcançar o que para muitos é aparentemente impossível.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 13/04/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 13/04/2006