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Ficção como denúncia

 

O Quixote brasileiro: foi assim que Oliveira Lima, em 1916, classificou Lima Barreto. Por que o teria feito? Veria uma ligação maior entre o herói de Cervantes e o inventor de Policarpo Quaresma? Achava Oliveira Lima que os personagens de Lima Barreto representavam com perfeição o homem brasileiro. Como Quixote representava o povo espanhol.


Durante o tempo que trabalhei na Inglaterra, fundei ali uma editora que publicou traduções para o inglês de livros de Adonias Filho, Josué Montello. Dinah Silveira de Queiroz, José Sarney, poemas de Jorge de Lima e o estudo "Coronel-Coronéis" de Marcos Vinicios Vilaça e Roberto Cavalcanti de Albuquerque.


Certo dia fui procurado pelo professor escocês Robert Scott-Buccleuch que me levou a tradução, que fizera, de "O triste fim de Policarpo Quaresma". Na mesma hora, procurei o editor Rex Collings, que, associado à minha "Sel Editora", lançou o livro. Houve um problema porque Scott-Buccleuch dera, ao romance, o título de "The patriot", isto é, "O patriota". Rex e eu pedimos que mudasse o título, mas o tradutor não concordou. Disse: "É o que Lima é, um patriota, inclusive o sentido cômico da palavra". O livro saiu, foi discutido em universidades (a de Essex, a de Londres, a de Liverpool, a de Cambridge). Isto foi em 1978.


Agora, o Departamento Cultural do Itamaraty lança o 2º Concurso Internacional de Monografias, este ano para ensaios sobre Lima Barreto. O primeiro concurso ocorreu no ano passado e teve como tema a obra de Machado de Assis. Assim, em dois anos consecutivos nosso Itamaraty promove no exterior os nomes de dois dos nossos maiores escritores, num bom trabalho do ministro Celso Amorim à frente da casa do Barão. Quando o autor destas linhas foi Adido Cultural em Londres, lá se achava também o atual ministro, que participou do alto nível da administração de Sérgio Correa da Costa, nosso Embaixador.


No excelente prefácio ao livro de agora, analisa Celso Amorim o escritor e o brasileiro Lima Barreto: "Não dissimulava no humor ou na ironia, sua crítica às injustiças da sociedade de seu tempo. Adotou uma atitude de denúncia, de revolta permanente contra idéias, instituições e personalidades que considerava representativas do atraso, impedindo que cidadãos como ele ascendessem socialmente ou tivessem seu mérito reconhecido".


Em seu texto, Celso Amorim chama a obra barretiana de "Ficção como denúncia". Não conheço melhor definição para o criador de "Policarpo Quaresma". Ao concurso podiam concorrer quaisquer cidadãos, brasileiros ou não, desde que residentes no exterior. A comissão julgadora, presidida pelo acadêmico Ivan Junqueira, premiou cinco ensaios. Os vencedores foram, por ordem de classificação, Jorge P. Santiago, José Antonio Garcia de Chaves, Marcel Vejmelka, Élide Valarini Oliver e Friedrich Frosch.


Pelos títulos, tem-se uma idéia do ângulo de cada premiado em sua análise. Para Jorge P. Santiago "A obra literária de Lima Barreto, uma proto-antropologia da cidade"; José Antonio Garcia de Chaves faz "Uma leitura da escrita impressiva de Lima Barreto. Crônicas de heróis vulgares"; Marcel Vejmelka trata do desmonte do Morro do Castelo em "Uma arqueologia do Rio - Escavando O subterrâneo do Morro do Castelo de Lima Barreto, Élide Valarini Oliver fala com: "Ácida? Amarga? O gosto da sátira em Lima Barreto" e Friedrich Frosch se ocupa da questão dos limites conflitivos entre normalidade e loucura com o ensaio "Os fantasmas de um certo Policarpo Quaresma: Édipo na ex-colônia".


Lima Barreto, que já conta com uma boa e valiosa bibliografia, ganha, com este livro, um terreno ainda maior e uma nova amplitude de interpretações e de avaliações. O Itamaraty editou, pelo seu Departamento Cultural, o volume "A obra de Lima Barreto", com os textos dos cinco premiados, de leitura imprescindível pelos que lidam com umas das coisas mais importantes deste País: a sua, a nossa literatura.


Permita-me agora o ministro Celso Amorim uma sugestão: a de promover um concurso parecido para João Guimarães Rosa, o grande renovador de nossa ficção e de nossa linguagem. Não por acaso, estamos no centenário de nascimento do autor de "Grande Sertão: Veredas".


Tribuna da Imprensa (RJ) 6/5/2008