Pela primeira vez em tantos anos, não molhei os pés no mar. Vi entrar o ano sem fogos de artifício, sem as lágrimas de ouro que caem do céu de Copacabana. A Floresta da Tijuca é assim, silêncio e mistério. Como o ano que se anuncia. Tanto silêncio e mistério nas coisas e nas pessoas.
No mundo, milhões já foram vacinados, e em breve — prioridade máxima — chegará a vez dos brasileiros. Vacinados, ainda teremos diante de nós um inventário de perdas: pessoas amadas, empregos, gente alegre que se fez amarga.
O mesmo presidente, cada dia mais cruel e pernicioso, que aplaude a tortura e debocha da pandemia, um sádico que se compraz com a dor e a morte. E a incompetência que fez e fará milhares de vítimas, se continuar sua tarefa de destruição.
Os mesmos maridos assassinos que se multiplicam e, com facadas ou tiros, sempre miram no rosto. Preferem os domingos e feriados para melhor odiar à morte suas mulheres. Foram seis só no Natal. A pandemia não mata só com o vírus. Isoladas, as mulheres ficam entregues a esses monstros.
A mesma pobreza trágica e suas causas perversas, a indiferença, a roubalheira e o racismo.
Tudo isso é real, mas não é toda a realidade.
Os que sobrevivermos ao maior massacre de nossa história, terá sido para fazer alguma coisa que preste neste ano que chega. É o que devemos aos mortos.
Fazer da saúde pública uma prioridade estratégica na luta contra a desigualdade e a pobreza, dever do governo e responsabilidade de todos, inclusive com a solidariedade de recursos privados.
Construir uma frente democrática que olhe para o futuro e nos prepare para ganhar a eleição de 2022 com a energia de que precisaremos para reconstruir o Brasil.
A esperança é teimosa. Sem ela, ninguém se move.
Nas pessoas de duas mulheres combatentes vitoriosas em tempos de pandemia, Margareth Dalcolmo e Nísia Trindade, desejo a todos um Ano Novo mais feliz.