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Ervas não arrancadas

 

Foi difícil para mim ler a crônica de meu filho, Fabricio Carpinejar, no Instagram. Por haver lançado, em Campo Grande, no início de dezembro, meu novo livro “A Tribo dos Sete Relâmpagos, pela ed. Life, rodeado de todas as cautelas.

E se estivesse preso em casa, isso me traria tristeza e depressão. Viver é constante risco. Porquanto, se vivo na terceira idade, ou na segunda, meu filho anda mal informado: não tenho asma, como diz, com o fio do diabetes controlado e repreendido, estando eu magro. A dor emagrece a imortalidade.

Ademais, sou responsável, prudente. Por mim e pelos outros. Tomo todas as medidas de proteção, sugeridas pela inefável ciência. Meu filho está longe; Deus está perto e me sustenta.

Tenho muita saudade dele, vontade também de abraçá-lo. Saudade nos rejuvenesce. Mas creio nas palavras de Jó: “Porque tive medo, me aconteceu”. Cuido-me. E evite o medo, filho! “Não sou o teu único Pai”, há Outro bem Maior, O Pai da Eternidade.

Mas amor me comove, ainda que perceba o exagero. Recordando, filho, de um gesto teu, quando rapaz, ao ter viajado para Lisboa, a fim de defender uma tese jurídica na Universidade lusitana, soube que nas gavetas, buscaste minhas roupas, como se me buscasses, ou minha sombra e a gravata como peixe num aquário (a imagem é tua) e indaguei num poema meu, esse gesto inesquecido.

E me comovo pela benevolência também, da vida comigo. Mas sem o cercar da morte, longe do temor, no mundo do Espírito, acompanho o filósofo

Sören Kierkegaard: “Só quem trabalha, tem pão; só o angustiado acha repouso; só quem desce à profundeza salva a bem-amada; só quem arranca a faca, recobra Isaac”.

Sim, na Obra Redentora, o pão é a revelação da palavra viva; o descanso é em Deus; o amor salva do abismo e em lugar do sacrifício de Isaac, surge o Cordeiro.
Mas há que entender e entendo o Fabrício, registro o meu afeto e orgulho pelo Poeta, com a alegria de o fruto não ter caído distante do pé, num tempo em que há descaso e caça à inteligência.

Mas amo esta pátria, que é um Continente e a sombra não impedirá que o dia prospere. E sei que as ervas, em hora certa, vão ser arrancadas.

 
 
Tribuna Online, 10/01/2021