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Epifania

 

Não é um pôr de sol que muda a nossa vida, é a nossa vida que muda um pôr de sol e o torna inefável ou irrepetível.
 
Ainda mais se for dia de amor, inocência ou arrebatamento. Ou nem isso, se antes o olhar da amada nos focar e o sol penetrar pela vidraça como através da alma.
 
E o pôr do sol teria a magnitude da Nona Sinfonia de Beethoven, ou de alguma Cantata de Sebastião Bach, semelhante à epifania que decorre do ato de justiça, ou da criação, pois a beleza e a moral se atraem magneticamente.

Diante de tal esplendor, não me preocupa a inflação da república, nem a corruptiva carga da desumanidade, nem se alguns são mais ou menos iguais no casco esvoaçante da imortalidade, ou se a própria imortalidade é para a vida ou para o silêncio.

E é como se a sensação do universo parasse no instante. Ou o instante, num lapso, igualmente parasse o universo. E tanto faz se as pessoas são discretas ou não em face do milagre. 

 
E não, não peço licença para expressar o enlevo do sol na pele, ou na água, ou nos fatigados olhos, nem a alegria de estar vivo e deixar que os pássaros gorjeiem irrefutavelmente. Porque até o respirar é diferente ante a fascinação da natureza e o levantar do orvalho.
 
E não temo a disfarçada aristocracia do medo, nem a revelação de uma nova escala entre as cores do céu, ou se no firmamento da pátria alguém foi pego com carteira de motorista vencida ou se negou a submeter-se ao bafômetro (o que é tão usual!). Não, não nos cabe explicar um pôr de sol, quando absurdamente parece ser ele que nos explica.
 

Diário da Manhã (GO), 16/5/2011