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Embalde, uma terceira marcha

 

Assistiu o país, domingo, dia 12 de abril, ao nítido receio do povo na rua contra o Planalto. Mal chegou, porém, a um terço, na melhor das hipóteses, da afluência do 15 de março. A queda expõe-se a estimativas contraditórias, já que os números da polícia não se mantiveram, em geral, em 15% dos declarados pelos promotores do movimento. Seu consolo foi o da afluência em São Paulo, com seus 275 mil participantes, em contraponto com o Rio de Janeiro, nos dez mil que saíram do Arpoador e foram à debandada antes da chegada ao Leme.

Por certo, avantajou-se o número de cidades presentes no protesto. Mas isso como decorrência inexorável dos supercomplexos urbanos, mais do que de uma verdadeira irradiação que mostrasse o alargamento do protesto. Repetiu-se, em todo o país, a ausência de motes de convergência nas marchas, a se avaliar pelos solitários obsessivos com seus cartazes. Nada em comum com os slogans aglutinadores, do grito só, das “Diretas já” ou do “Fora Collor”. E, claro, nessa tropelia, multiplicavam-se as reivindicações oportunistas, desde as reivindicações pelos aposentados da Varig até, e sobretudo, no Paraná e em Santa Catarina, a reivindicação pelo retorno do governo militar.

É difícil encontrar precedentes de um mesmo estrato social que vai ao protesto, branco com média de 45 anos e 77% com ensino superior. A ida à rua nasceu, historicamente, como é próprio à classe média, na explosão de um sentimento de mal-estar político que demora a se polarizar no repúdio à corrupção ou no pedido de impeachment. Escassearam, nitidamente, os clamores pela reforma política, pela disciplina do poder ou pela redistribuição de renda. Nulo foi o pedido pela reforma agrária ou pela mudança do Estatuto do Índio.

Emerge a certeza de que não haverá a terceira manifestação. Desarmou-se o nervo da mobilização e das mecânicas de um crescendo no ir às ruas. O ganho decisivo desses dias é o de um aprofundamento irreversível da instituição democrática, em teste único do regime e em claro ganho do governo.

A oposição ficará com o consolo da permanência do protesto e seus militantes determinados. Conviverão com as maiorias nítidas com que o Planalto reforçou, no seu silêncio, a vitória nas urnas.

O Globo, 20/04/2015