Acabo de saber que o papa Francisco vai lançar um livro inédito, intitulado "A Esperança Nunca Decepciona". Ótimo. Sou seu fã, como papa e como pessoa, e mais ainda por ele ser dado a escrever livros. Alguns: "Deus É Jovem", "Sabedoria das Idades", "Vamos Sonhar Juntos", "O Amor É Contagioso", "Quem Sou Eu Para Julgar?". Longe de ser religioso, talvez os leia algum dia. Quem sabe me converto e sano parte dos meus pecados?
O que me intriga na notícia é o "inédito". Por que o papa lançaria um livro "inédito"? Por que "inédito"? Por acaso vive soltando coletâneas de textos já publicados em livros anteriores, a ponto de ser notícia que, depois de algum tempo, ele se sentou para escrever um livro novo, daí "inédito"?
Há duas categorias particularmente chegadas a produzir "inéditos": os escritores e os compositores. Todo dia ouço que Fulano vai lançar um disco de "inéditas". Serão, talvez, canções novas, que ninguém ainda escutou? Mas não é assim com todos os discos novos que eles lançam? Por que nunca leio que o pintor X inaugurará uma exposição de obras "inéditas"? Ou que o cineasta Y anuncia o lançamento de seu filme "inédito"? Ou que o dramaturgo Z vai estrear uma peça "inédita"?
O contrário de "inédito" é "édito", ou seja, que foi editado. Donde tudo que é editado pela primeira vez será "inédito", não?
Em 1605, por exemplo, Miguel de Cervantes publicou seu romance inédito "Don Quixote"; Jane Austen, em 1813, o também inédito "Orgulho e Preconceito"; em 1900, Machado de Assis, o igualmente inédito "Dom Casmurro". Mas o que dizer de "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas, que, ao aparecer em livro em 1844, já havia saído em capítulos diários, no formato folhetim, num jornal de Paris? Deixara de ser "inédito"? Nesse caso, quase nada da literatura francesa ou inglesa do século 19 terá sido inédita —tudo saiu primeiro no jornal.
Nelson Rodrigues, que, para pagar as contas, tinha de escrever três crônicas por dia, às vezes pegava uma crônica antiga, alterava a primeira frase e a publicava de novo. E dizia: "Inédito é tudo aquilo que você não leu".