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Direito e cidadania

 

"Ao tempo deste meu Ministério pertence o ato que reputo o mais glorioso da minha carreira política, e que me penetrou do mais íntimo júbilo que pode sentir o homem público no exercício de suas funções: refiro-me à instalação dos dois cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, consagração definitiva da idéia que eu aventara na Assembléia Constituinte, em sessão de 14 de junho", disse em suas Memórias o Visconde de São Leopoldo.


O êxito de seus esforços e a participação de tantos outros parlamentares se constitui algo fundamental para a institucionalização de país ainda carente de instrumentos indispensáveis à formatação do Estado Nacional. Para bem entender os fatos, é indispensável recuar na história que, segundo parêmia latina, é mestra da vida.


Nos idos de nossa Independência, o Brasil ainda era um Estado em formação. Edificava-se desconfiando-se da solidez dos materiais e do terreno, em virtude de não haver projetos definidos e instituições estruturadas, e viver o país momentos de intensa ebulição política, sobretudo após a dissolução da Assembléia Constituinte, e existência de movimentos e revoltas nas províncias.


As nações, mormente as organizadas em Estado, aspiram a durar e, para tal, buscam firmar suas instituições. É certo que as instituições, porém, necessitam de continuado aprimoramento, não devendo se deixar anquilosar pela erosão que sofrem no perpassar do tempo. Conforme destaca em artigo o professor Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo, "a inteligência do legislador do século 19 ao implantar os cursos de Direito, é captada de pronto. A par da construção do Império, queriam a preservação da unidade nacional".


Essas considerações nos fazem recordar que direito e política, tão distintos quanto imprescindíveis, devem coexistir, lado a lado, posto que percorrem caminhos de mútua interdependência. À época, o país se dividia regionalmente entre Norte e Sul. Daí as duas escolas - uma no Sul, leia-se São Paulo, e outra no Norte, leia-se Olinda - medida que tornou possível dotar o país de entidades voltadas para a educação e o desenvolvimento cultural, adestrando recursos humanos e ensejando, igualmente, descentralizar o processo de preparação de quadros no campo do Direito.


"Direito e política, tão distintos quanto imprescindíveis, devem coexistir lado a lado"


As duas escolas de Direito nasceram, como é sabido, pelas mãos do Estado, mas à sombra da Igreja: a de Olinda no Mosteiro de São Bento, onde permaneceria até ser transferida para o Recife, em 1854; e a de São Paulo no Convento de São Francisco.


A estruturação do Estado Brasileiro, garantindo-lhe a desejada governabilidade, muito deve a dois acadêmicos da Faculdade de Direito de São Paulo: Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, com seus Ensaios sobre o Direito Administrativo (1862); e José Antonio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente, com Direito Público e análise da Constituição do Império (1824).


No território das idéias, a Escola do Recife criticou tanto o tradicionalismo, herdado de Portugal, quanto o positivismo vindo da França. No seu lugar propôs o pensamento jurídico de Rudolf Ihering e o filosófico de Emmanuel Kant, o que representou, na ocasião, um extraordinário avanço.


Os mentores da Escola do Recife, também chamada de Escola Alemã, sob a influência de Tobias Barreto, ao lado de Sílvio Romero e Urbano Santos, propiciaram um grande aggionarmento à cultura jurídica e filosófica da época. Tobias Barreto, sentenciou Graça Aranha em sua autobiografia: "Abria uma nova época na inteligência brasileira e nós recolhíamos a nova semente, sem saber como ela frutificaria em nossos espíritos, mas seguros que por ela nos transformávamos".


Malgrado a distância territorial entre a Faculdade de Direito de Pernambuco e a Faculdade de Direito de São Paulo, em virtude da inexistência de estradas e carência dos meios de transporte, havia algo, a meu juízo, muito proveitoso: um grande intercâmbio, não apenas intelectual, mas igualmente na interação de seus alunos. Muitos iniciavam o curso numa escola e concluíam em outra.


Lembrar, pois, os 180 anos do estabelecimento dos cursos jurídicos em nosso país, conjuntamente com todas as instituições devotadas ao direito, é mais do que cultuar o passado que fica do que passou, é celebrar o presente enquanto construção do futuro. E, ao fazê-lo, estamos certos de que, por este itinerário, consolidaremos a nação que almeja assegurar a cidadania e fazê-lo sob a égide do direito e da Justiça.


Jornal do Brasil (RJ) 3/9/2007