Se 2008 e 2009 foram os anos dos centenários das mortes de Machado e de Euclides, o ano de 2010 está sendo o do Centenário da morte de Nabuco. Os três foram fundadores e membros efetivos da Academia Brasileira de Letras, que justamente por isto tanto se tem empenhado em homenageá-los.
Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, o "nhô Quim", assim seria depois chamado pelos escravos do seu engenho Massangana. E uma das primeiras lembranças que o marcaram para sempre foi a de uma criança negra que havia recebido várias chibatadas e que, numa desabalada correria, se jogou aos seus pés, pedindo-lhe que a comprasse dos seus senhores. Na Faculdade de São Paulo, envolveu-se com alunos ilustres: Afonso Pena, Rodrigues Alves e Rui Barbosa. Formou-se em Direito e defendeu escravos no Tribunal do Júri, cujos crimes conheciam uma só sentença: a pena de morte.
Já estava então envolvido no Abolicionismo, que defendia como o primeiro passo para uma futura reforma agrária e um projeto de reforma educacional.
Media 1, 90m numa altura atlética e já o conheciam como "Quincas, o Belo".
Por parte de mãe pernambucana, descendia da família Paes Barreto e, ao lado de Rodolfo Dantas, foi um dos fundadores do Jornal do Brasil. Solteiro e bem educado, era um orador esplêndido, com discursos que sempre tinham começo, meio e fim. Se discursava bem, escrevia melhor ainda. Era um excelente escritor, com períodos certos e corretos, na amplitude dos seus ritmos, com a pausa e o equilíbrio próprios das obras clássicas, como aconteceu em Um estadista do Império e Minha formação.
Elege-se para a Câmara, sempre com a bandeira da abolição, que finalmente vê vitoriosa a 13 de maio de 1888, numa conquista que nos Estados Unidos custara o preço de uma sangrenta guerra de cinco anos, mas que no Brasil era recebida com risos e festas. O povo acorreu às ruas e praças do Rio para aclamar os líderes da campanha, que apareciam na sacada do Paço Imperial e aí recebiam os aplausos populares. Nabuco esforça-se para discursar, mas, com voz embargada, consegue apenas dizer: "Está abolida a escravidão. Não há mais escravos no Brasil".
Nove anos depois, no dia 20 de julho de 1897, funda com Machado a Academia Brasileira de Letras, da qual é o seu primeiro secretário-geral, apelando pela concordância nas discordâncias entre acadêmicos monarquistas e republicanos.
Juntamente com Machado e Rui, Nabuco integrou o trio que Graça Aranha chamou de "a santíssima trindade da inteligência brasileira". Os três viveram da palavra e para a palavra, como autênticos esgrimistas do vernáculo e exímios maestros, regentes e orquestradores no emprego dos termos exatos do nosso idioma que, fascinados, manejaram como mágicos:
Machado, introvertido e recluso, no seu refúgio do Cosme Velho e na ABL, escrevendo sem cessar, com um texto enxuto e perfeito, nos romances, crônicas, críticas, contos, artigos, peças teatrais e poemas; Rui, extrovertido e falante, na tribuna do Senado, nos comícios, tribunais, entrevistas e na Conferência da Paz, em Haia; e Nabuco, britânico e contundente nos debates e nas discussões, nas cortes internacionais, na campanha da Abolição, na Embaixada em Washington, nos salões de casaca, com seu estilo rebuscado e elegante. Recusa o convite de Rio Branco para chefiar a missão do Brasil na Conferência de Haia, argumentando: "Por mais que me custe não estar com Rui na Conferência, não posso ir a Haia como segundo e ele só poderá ir como primeiro".
Continua residindo em Washington, onde era conhecido como o embaixador mais bonito. Mas aí a saúde já começava a fraquejar, com o agravamento de uma surdez e de uma arteriosclerose. Retorna à Igreja e à sua fé, carregando sempre um terço no bolso e uma Bíblia na mão direita. Morre no dia 17 de janeiro de 1910. Dizia ele: "Não posso negar os meus ossos ao Recife e à Massangana".
Jornal do Brasil, 17/1/2010