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Caatinga e desertificação

 

Semiárido e Sertão são expressões aparentemente equivalentes. Mas, se sertão tem um cariz humano e poético bastante conhecido, semiárido encerra conceito mais técnico e refere-se ao ambiente físico em que predomina a escassez de água. A essas duas designações, acrescente-se o termo caatinga – derivado do tupi "ka"a" e "tinga", significando mata branca – e teremos um retrato bastante expressivo do Nordeste brasileiro.


A caatinga estende-se por quase 850 mil km², cerca de 10% do território nacional. Faz-se presente em pequena área do Sudeste e em todos os Estados do Nordeste, onde cobre 60% da superfície da Região. Nesse bioma, único no planeta, vivem e sobrevivem quase 30 milhões de pessoas.


Caatinga não se confunde com savanas nem estepes. Trata-se de um bioma tipicamente brasileiro e, por isso, devemos bem conhecer suas especificidades. Por isso, ao longo do período em que exerci as funções de vice-presidente da República, apoiei estudos destinados a ampliar o conhecimento sobre esse bioma e que foram realizados por pesquisadores brasileiros, sob a coordenação de Alexandrina Sobreira de Moura.


Nossa "mata branca" sofre as condições do semiárido, com um baixo índice pluviométrico e chuvas irregularmente distribuídas no espaço e no tempo, ensejando prolongados períodos de seca. Assim, subsistem na área alguns vegetais como aroeira, maniçoba, umbu, xiquexique e animais como o veado-catingueiro, tatupeba, sapo-cururu e o pássaro Asa Branca, imortalizado no cancioneiro nacional com a música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que considero o hino do Nordeste.


Ao lado dessas condições, por si só bastantes adversas, paira uma ameaça maior, que muito preocupou a mente investigativa do cientista pernambucano João Vasconcelos Sobrinho, engenheiro agrônomo e ambientalista a quem tive oportunidade de conhecer e admirar. Trata-se da desertificação, degradação física de uma região causada por fatores climáticos ou humanos. Com ela, os ecossistemas perdem capacidade de autorregeneração. Temos, então, redução da vegetação e rarefação da fauna, seguidos do empobrecimento do solo e salinização.


Se não foram tomadas medidas urgentes, dentro de 40 ou 60 anos, ou, para usar taxionomia de Ortega Y Gasset, dentro de duas gerações, aqueles solos terão percorrido as etapas da degradação, transformando-se de semiáridos em áridos e desérticos. As consequências econômicas já estão ocorrendo: o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Nordeste é cerca de metade do valor médio nacional e o da região da caatinga, onde ocorre com mais intensidade o fenômeno da seca e da desertificação, situa-se em torno da metade da metade da renda nacional. A desertificação compromete ainda mais o quadro econômico e social na caatinga. Foi por isso que, graças à decidida intervenção do ex-ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause, realizou-se no Recife, em novembro de 1999, a III Conferência das Nações Unidas para Combate à Desertificação e à Seca. E é com a atenção voltada para a dimensão desse problema que tenho concentrado esforços no sentido de que o Congresso Nacional possa aprovar, o quanto antes, Proposta de Emenda à Constituição para, mediante nova redação ao § 4º do artigo 225 de nossa Carta Magna, incluir a caatinga e o cerrado entre os biomas considerados patrimônio nacional. Acredito que, conferido novo status constitucional a esses biomas, não restará ao governo federal senão a obrigação de dispensar-lhes melhor tratamento, concedendo-lhes a indispensável prioridade.


A classificação da caatinga como patrimônio nacional tem um viés ecológico, uma preocupação mais direcionada para o bioma propriamente dito, vale dizer com a flora e a fauna. Não podemos, contudo, esquecer que o ser humano também se encontra ali presente e que sua atuação pode se transformar em predatória, se a ele não forem dadas condições de sobrevivência em harmonia com o habitat. Investimentos em educação, saúde, pesquisa científica, tecnologias e infraestrutura adequadas à região, bem como financiamentos com custos e prazos diferenciados são, portanto, essenciais a uma política sustentável de proteção ambiental e desenvolvimento humano na caatinga.


Jornal do Commercio (PE), 31/5/2009