No dia 19 de abril de 2007, se completarão 121 anos do nascimento do grande poeta Manuel de Sousa Carneiro Bandeira Filho, ou apenas Manuel Bandeira, aquele "menino doente", que se tornaria depois "o amigo do rei", ou, como certa vez dele disse Ribeiro Couto, o próprio "rei de Pasárgada". Veio à luz do mundo em Recife, na Rua da Ventura, que hoje se chama Joaquim Nabuco.
Em 1890, a família transferiu-se para o Rio. Em 1892, os pais voltaram a Recife, onde teve início um período decisivo na vida de Bandeira, "a fase de formação de sua mitologia". Foram esses anos vividos nas ruas da Aurora, da União e da Saudade que iriam plasmar a alma daquele menino que se recusou a envelhecer e que conferem à sua poesia um permanente e desconcertante traço lúdico.
De 1896 a 1902, a família voltou a morar no Rio, em Laranjeiras. O poeta cursa então o externato do Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, onde toma gosto pelos clássicos, em particular Camões e Petrarca. É ainda em 1902 que publica seu primeiro poema, um soneto em alexandrinos que sai na primeira página do Correio da Manhã. No ano seguinte, parte para São Paulo e matricula-se na Escola Politécnica, a fim de fazer os preparatórios para o curso de arquitetura, profissão que escolhera sob a influência do pai.
Mas o destino lhe reservara trajetória muitíssimo distinta: no final de 1904, adoeceu gravemente, sendo obrigado a abandonar os estudos. E é aqui que se inicia a verdadeira história do poeta. Não há como esquecer os primeiros versos do poema Epígrafe, que abre A cinza das horas (1917), seu primeiro volume de poesia, cinco anos antes, portanto, da eclosão do movimento modernista:
"Sou bem nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis."
A tuberculose - cuja cura era então extremamente problemática - surpreendeu Bandeira aos 18 anos. Em busca de climas mais propícios, o poeta inicia uma peregrinação que o levaria de Teresópolis a Davos, na Suíça, passando antes por Campanha, Friburgo, Petrópolis e Maranguape. Somente após a internação no sanatório de Clavadel, em junho de 1913, é que sua saúde começou a acusar melhoras. Foi por diversas vezes desenganado pelos médicos, que o deram, afinal, como portador de "lesões teoricamente incompatíveis com a vida". Após essa sentença de morte, começou a fazer versos "como quem morre".
Nascia aí o "menino doente", cuja lembrança o acompanharia até o fim da vida. Mas a doença, se, de um lado, faz dele um homem triste, de outro impôs-lhe um confinamento de quase 13 anos durante o qual o poeta, como ele próprio revela no Itinerário de Pasárgada, formaria a sua prodigiosa técnica, somente comparável à que possuía Gonçalves Dias, a quem, aliás, ele dedicava a mais irrestrita admiração, tendo-lhe escrito a biografia.
Nenhum poeta brasileiro fruiu de tão longo e tão intenso convívio com a morte quanto Manuel Bandeira. Pertinaz e caprichosa, a tuberculose, que ele chama a "Indesejada das gentes", somente o abandonaria nos últimos anos.
Sem Bandeira, nossa poesia não seria o que é. Ele nos deu, acima de tudo, a lição da simplicidade e do despojamento, a lição de dizer o máximo com um mínimo de palavras essenciais. E nisso reside não apenas sua eterna modernidade, mas também o sabor clássico que lhe impregna cada palavra, cada verso, cada imagem. Sua lição é, por isso mesmo, uma lição de linguagem e de cultivo, a um tempo austero e irreverente, dessa língua portuguesa sem a qual não haveria a linguagem em que, bem ou mal, nos expressamos.
Jornal do Brasil (RJ) 13/12/2006