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Apito de bronze

 

Entre outros inocentes prazeres ocasionais, tenho o de disputar objetos arcaicos em leilões. Minha última aquisição, no Leilão de Colecionismo de Alberto Youle, foi um apito inglês, de bronze, com bolinha de cortiça, marca Acme Thunderer, do tipo usado no passado pelos juízes de futebol —com argola para a cordinha com que o penduravam ao pescoço. Suas Senhorias hoje usam vulgares apitos de plástico acoplados a uma espécie de dedal, talvez mais fácil de levar à boca, mas sem o mesmo charme.

O Acme, inventado em 1870 pelo inglês Joseph Hudson, foi o pai de todos os apitos. Seu primeiro comprador foi a Scotland Yard, o que bastou para que ele ganhasse o mundo. Outros fabricantes entraram no mercado com apitos de material menos nobre e, talvez por isso, o Acme nunca tenha sido superado. O modelo Thunderer, criado em 1927, logo se tornou o favorito dos árbitros dos vários esportes.

O Thunderer foi também uma arma dos Aliados na 2ª Guerra, tanto que sua fábrica em Birmingham foi alvo de pesados bombardeios alemães —os nazistas precisavam destruí-la, para evitar que ele continuasse apitando o início das grandes invasões. É claro que não conseguiram, vide o papel do Thunderer no desembarque na Normandia. O Thunderer seguiu invicto no pós-Guerra, agora em sua maioria no pescoço dos juízes.

Pelo estado, meu exemplar parece dos anos 50. Aposto que veio do futebol inglês porque, ao levá-lo à orelha, posso ouvir os ecos de seus trilos em gramados britânicos. Deve ter feito rolar a bola em incontáveis Arsenal x Manchester United, apitado faltas sobre o meia Billy Wright, marcado impedimentos do ponta Stanley Matthews e anulado gols do craque Tommy Charlton. Se foi isso, que carreira!

Meu apito já parece há muito aposentado. Mas vou ficar atento neste Carnaval. Um de seus netos pode estar na boca do mestre de bateria de uma escola de samba.

Folha de São Paulo, 08/02/2024