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Água e vida

 

As datas inaugurais revestidas de grande conteúdo simbólico, geralmente, prestam-se à reflexão e, por que não dizer, a exercícios de futurologia.


Assistimos a isso de forma muito intensa por ocasião da virada do século e do milênio, inclusive em nosso país, porque, com a passagem do segundo para o terceiro milênios da era cristã, e início de um novo século, celebramos também os 500 anos de nosso Descobrimento.


Perguntava-se como seria o novo milênio, quais suas marcas mais profundas, o que caracterizaria de modo especial o século XXI.


André Malraux, por exemplo, questionava se o novo século não seria ''um século religioso''. E acrescentou: ''Ou será religioso ou não será''. Certamente, Malraux expressava o entendimento de que esta centúria seria assinalada pela busca do transcendente.


Certamente um dos muitos temas de que se ocupará o século XXI será a questão da água, que se converte, cada vez mais, em um problema dramático. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem demonstrado preocupação com esse assunto. Prova do que afirmo é o fato de, para seu grande último evento no século XX, em 1998, em Lisboa, haver escolhido como tema central a questão dos oceanos, isto é, da água.


Sabemos que 70% da superfície do nosso planeta são constituídos de água. Em que pese a água doce corresponder a apenas 2,4% da massa líquida, vale destacar que a maior parte dela está nas geleiras. Além disso, o consumo da água foi multiplicado por seis vezes no século passado, enquanto a população apenas triplicou. Significa que o consumo do ''precioso líquido'' está aumentando em intensidade maior do que o crescimento da população.


O Brasil, sob esse aspecto, é um país privilegiado, pois admite-se que tenhamos cerca de 12% das reservas de água doce na Terra. É certo, porém, que essas águas não são bem distribuídas. Há uma concentração muito grande na Região Norte, enquanto em mais de 70% do Nordeste há escassez de água. Além disso, a irregularidade pluviométrica na região é elevada, o que faz com que o Nordeste conviva recorrentemente com a seca.


Faço essas considerações para registrar o fato de a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na sua Campanha da Fraternidade deste ano, haver tomado como lema ''Água, fonte de vida''.


O secretário-geral da CNBB, Dom Odilo Scherer, afirma com propriedade que: ''...a CNBB quer chamar a atenção para o valor vital da água para os seres vivos, sua importância social e a necessidade da participação popular no gerenciamento da água no Brasil; quer também questionar o conceito mercantil da água e mostrar que, mais que um recurso, ela é um patrimônio e um bem necessário a toda a humanidade e a todos os seres vivos; nela, de fato, há um vasto conjunto de valores que dizem respeito às mais diversas dimensões da vida, como o econômico, o sagrado, o simbólico, o lúdico, entre outros''.


Este é um tema sobre o qual devemos também concentrar nossas atenções, porque, não obstante os esforços feitos em nosso país, o problema tem se agravado, até mesmo por falta de cuidado ambiental, como o caso do Rio São Francisco, que o historiador João Ribeiro apelidou de ''rio da unidade nacional''. Muitos rios do Nordeste já não são perenes, são ''rios interinos'', para usar a expressão do poeta João Cabral de Melo Neto, rios que, como observa o sertanejo, só têm água durante alguns meses ao ano.


''A água - lembra, com oportunidade, o presidente da CNBB, cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo -, é uma necessidade primária, portanto, direito e patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. A primazia da vida se estabelece sobre todos os outros possíveis uso da água. Nenhum outro uso da água, nenhum interesse de ordem política, de mercado ou de poder, pode se sobrepor às leis básicas da vida''.


Espero, por todas essas razões, que a campanha tenha sucesso, uma vez que sem água, não há vida. Ela é uma bênção, pois, como disse Thiago de Melo, ''é a água que dá à planta o milagre da flor''.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 08/03/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 08/03/2004