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40 anos de vida pública

 

Passadas quatro décadas de meu “batismo político”, retornei à Assembléia Legislativa de Pernambuco para a “crisma”, o sacramento da confirmação. Ali, na mesma tribuna, pude recordar as primeiras palavras que proferi ao ser empossado como deputado estadual e líder do governo Nilo Coelho: “O nome dado a esta Casa exprime a homenagem e a aceitação de um compromisso: a aprovação, o aplauso, a fidelidade ao comportamento, às idéias e ao sentido afirmativo da luta de Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo – o liberal que desgostou liberais, em defesa da abolição, o que político, desgostou políticos, o que amou as instituições para reformá-las.”


Naquela Casa recebi – uso expressão de Nabuco –, uma grande “provisão de sol interior”, não a agitação estéril de que fala Weber, mas a paixão humana, o interesse vivo, absorvente, palpitante, no destino e na condição alheia. Sem tais atributos não se exerce, em sua integralidade, a função pública que somente pode ser praticada com realismo, embora não se possa, contudo, deixar de ser idealista, uma vez que há sempre uma porção de utopia alojada no coração humano.


A consciência, que segundo os romanos, “vale por mil testemunhas”, me leva a afirmar haver conservado no proceder a compatibilidade entre pensamento e ação, observado como conduta de vida pensar e ouvir antes de agir e desempenhado a vocação política como atividade ao mesmo tempo mística e realista. Mística pelo que exige de fé e adesão à causa abraçada, realista por desprezar idéias que não se concretizam no campo da ação.


O diálogo é, para mim, a matéria-prima da política, ao propiciar a convivência, pois, como sentenciou Vinicius de Morais, “viver é a arte do encontro”. Sem disponibilidade para o entendimento, não se forja o consenso. A política, para Aristóteles “a arte das artes”, exige constância no perseverar, destreza para catar o escondido, atenta curiosidade para desvelar o que ainda não está manifesto, e assim antecipar-se aos acontecimentos, pois o que marcha está sempre em crise.


Não menos importante é converter a palavra em gestos concretos – programas, ações e, sobretudo, obras que promovam o desenvolvimento social, econômico e cultural do povo. Sem elas não se completa o perfil do verdadeiro homem público.


O padre Vieira, cidadão de dois mundos, ensina no Sermão da sexagésima: “o pregar que é falar faz-se com a boca, o pregar que é semear faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras.” E explica: “A razão disso é porque as obras vêem-se.” Ou seja, na vida pública ocorre o mesmo que na vida religiosa: o essencial não está só na profissão do credo, mas na prática das obras.


Empenhei-me, por isso, a vida toda, em edificar um vasto acervo de obras, de forma silenciosa e, por vezes, através de ação coletiva, de que muito me orgulho, sem buscar loas ou reconhecimento. Tal não me impede contudo de expressar que muito mais poderia haver feito – não fossem circunstâncias adversas – em prol de Pernambuco, onde tenho cravados os olhos, e do Nordeste, marcados por malsofrida desigualdade em comparação ao Sul e Sudeste e ainda pendentes do indispensável apoio da União.


Descobri desde cedo que a menor e a melhor escola está na família, que João Paulo II chamou de “Igreja doméstica”. Recebi na casa de meus pais – sempre presentes na minha memória –, a indispensável provisão de fé, entendi a significação do amor enquanto doação, e do silêncio, como pedagogia do recolhimento e da interioridade. Com Anna Maria, sempre ao meu lado desde a juventude universitária, constituímos família. A ela devo inspiração em diferentes instantes da vida, a plena capacidade de renúncia e dedicada solicitude na educação dos filhos. Seu exemplo floresce em Gisela e Joel Sant’Anna, Maria Cristiana e Domingos Guimarães, João Maurício e Carol, filhos, genros, nora e nos netos – João Pedro, Luiza e Maria Isabel –, que logo intuiram o que representa ter um pai e avô político, devendo, portanto, dedicar-se a todos e não só à família.


Sou, especialmente, grato ao residente Romário Dias e às iniciativas do deputado Raimundo Pimentel, autor do requerimento que ensejou a sessão em que pude retornar à tribuna da Assembléia Legislativa, e do deputado Ettore Labanca, proponente do diploma que me confere a Medalha Joaquim Nabuco, ambos aprovados pelos ilustres membros da Casa, aos quais penhoradamente agradeço.


A política, mais do que uma profissão, é uma atitude de vida. Ação missionária cujos gestos repercutem sobre toda a comunidade. Deus, pois, continue a nos inspirar na tarefa – a um só tempo sáfara e fascinante, digna e apaixonada – de servir a todos e a cada um.


Jornal do Commercio (PE) 19/12/2006

Jornal do Commercio (PE), 19/12/2006